por F. Morais Gomes

04
Fev 11

Carlos da Maia e Cruges voltaram por estes dias a Sintra, não de break mas de comboio, a peça do Éter no Olga de Cadaval convidava a verem-se retratados. Ao saír da estação, direcção da Vila,e logo os logradouros do Larmanjat,imundos,um rato turista serpenteando.

-Como isto mudou, Carlos- desabafou Cruges, abismado e  apossado dum sentimento de tristeza.

-Houve alguma greve,por certo,isto a crise, meu caro....- acautelou o amigo, dando o benefício da dúvida.

Pedantibus calcantibus,seguiram para a Vila, já sem banhos termais,buscando o remanso do velho Hotel Nunes, surpresa das surpresas, no local, em vez de um,  dois hotéis:o Tivoli, gémeo daqueles prédios da Porcalhota por onde o comboio passara ,e o Netto. Que  teria sucedido? Novo terramoto e nada  avisaram para Lisboa? Pois que cenário dantesco de ruína, apetecível para um dramalhão do Garrett ou uma ópera de  Wagner, fanático de tragédias.

Perto do palácio, o Eusebiosinho, mais obeso, e o Palma Cavalão passeavam com duas espanholas:

-Pois por cá, meus caros?-atirou com tom malandro Carlos da Maia. Os meus amigos estreitam laços ibéricos em Sintra?...

-Meu caro, nem queira saber. Fomos à Regaleira, coisa nova,  daquele merceeiro do Monteiro, o homem enriqueceu e deu-lhe para artista, um espanto, mas estacionar, nem pensar. Parece dia daquele jogo inglês com tudo em ceroulas, o foot-ball.

-E las viviendas, por supuesto, tan preciosas pero tan maltratadas- rematou a Lola, uma das espanholas, agarrando o braço do Palma e sacudindo o leque.

-É como lhe digo, Eusébio, isto mudou muito, mas há muita coisa a precisar de obras. Isto quer é um Fontes! -elevou a voz o Palma, beliscando o traseiro da Lola, dengosa.

Passada a cascata, nos Pisões,  heras e musgos em verde orvalhar, surgiu Tomás de Alencar, o velho  poeta e amigo do pai de Carlos, que se juntou ao grupo num passeio a Seteais,  bons tempos , já passados.Escondida pelo Sobreiro dos Fetos ,a Quinta do Relógio do tratante do Monte Cristo,  fechada e abandonada,salteadores por certo, opinava o Alencar.

-Parece que vão comprar isto.Será para algum hotel? -questionou o Cruges.

-Olhe, cá pra mim eu abria era um centro para artistas, era bom para si,à sombra da serra... -alvitrou o Eusebiosinho.

-E  pedia apoio ao Paes do Amaral, ele vai mudar-se para cá, sabia? Isto os negócios do tabaco…Vai dali sair uma verdadeira mansão!

-Agora já não é tabaco! Você não lê jornais, ó Eusébio ?Não sabe o que é o PSI-20?-atalhou Carlos da Maia.

Na verdade, ao chegarem a Seteais, Cruges sentiu-se prostrado com aquilo que lhe foi dado ver.Dum pequeno anexo de jardim nascia qual míscaro gigante um solar imponente e tumefacto.Só ao Alencar, lunático, lhe deu para fazer um soneto à beleza de Sintra e a sua exuberância, esquecendo o tumor por instantes.

Na impossibilidade duma burricada, por falta de asnos,decidiram- se a ver o novo bairro da Estefânea, em carruagem e lá foram  os cinco,  Carlos optou por procurar  Maria Eduarda, na verdade o verdadeiro motivo da  vinda a Sintra.

Mal chegados, cenário caquético: lojas chinesas vendendo traquitanas, casas antes solarengas agora em ruínas, lixo transbordando de contentores e esvoaçando qual ciclone, tudo arrastando, bancos por todo o lado. Era engano com certeza.

-Diga-me amigo, nós queríamos ir era ao bairro novo, o dedicado à rainha D.Estefânea, não era aqui…-atalhou o Cruges, puxando o braço do carroceiro.

-E onde pensa vomecê que está?É memo aqui!

-Pois….-disse o Cruges, abanando a cabeça, conformado.Já suspeitava.

-Olhem, sabem que mais ? Vamos mas é para Lisboa, que há novidades para o lado da R. dos Condes.- rematou o Palma Cavalão, maroto,alisando o bigode. E retornando à Vila, pegaram Carlos da Maia, que procurava romper no meio da horda dos turistas e volveram à capital.

Ao longe, a silhueta milenar dos Mouros continuava perene sentinela, coisa do mundo de Deus. Do mundo dos homens muito mudara em Sintra, umas  boas outras novas, mas as novas não eram boas e as boas não eram novas.

-Isto quer é um Fontes!- ainda repetiu despeitado o Cruges, empunhando a bengala.


publicado por Fernando Morais Gomes às 11:39

Fico com duvidas quanto a Lola... Tornou-se apreciadora da arquitectura Sintrense ?
Antonio Tesoureiro
Antonio Tesoureiro a 4 de Fevereiro de 2011 às 13:25

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