por F. Morais Gomes

25
Fev 11

Tomada Al-Ushbuna (*Lisboa), após dezassete semanas de cerco, os habitantes de Xentra (*Sintra) fizeram oferta da guarnição do seu castelo e entregaram-se ao rei. Rendidas pois todas as fortalezas que nas redondezas estavam ligadas à cidade, foi celebrado Afonso Henriques como novo rei,  e abateu-se o pavor sobre os mouros aos quais ia chegando a notícia destes acontecimentos, tendo  sobrevindo entre eles a peste, pelas aldeias e praças, pelas casas em ruínas jaziam cadáveres à mercê das feras e aves e assustados campónios.

Afonso Henriques, chegado o Natal de 1147 achou por bem tomar posse do castelo de Sintra, tendo-se posto a caminho acompanhado de uma guarnição, que incluía Henry Glanvill e Simon de Dover, dois dos cruzados que participaram na tomada de Lisboa. Pêro Pais, seu porta-bandeira, e entendido na língua dos mouros acompanhava, como tradutor.

Logo nas imediações da vila, Xentra, assim a designavam, algumas madrassas antes dedicadas à exaltação da fatah estavam agora abandonadas à passagem dos novos senhores, infiéis da Cruz agora conquistadores. Uma delas, explicara Pêro Pais, fora mesmo o eremitério de  Ibn Becre Mauani Al-Shintari , eremita da serra da Lua e venerado lutador contra o conde Henrique, seu pai. Desse local controlavam a judiaria de S.Martinho. Na medina, antes agitada de mercadores reinava agora o silêncio, todos em casa com receio de chacina, e pilhagem, privilégio dos vencedores.

Afonso Henriques mirou o castelo, enevoado naquela manhã de Dezembro, e com a comitiva subiu a sinuosa serra, uma escolta adiantada garantia contra alguma cimitarra traiçoeira que se atravessasse ao caminho. Até aí dependente da dinastia aftássida reinante em Badajoz, de origem berbere, Xentra era um ponto elevado, dali se dominando o mar e os campos até Lisboa e Palmela. Eram umas boas centenas de metros acima da medina até à porta de entrada, chamavam os mouros ao local qala’â calaferrim, por estar num planalto, segundo o incansável Pêro, a Henry Glanvill recordava-lhe a Bretanha natal. Contudo, em vez de ruidosos habitantes ou soldados aguerridos, apenas um silêncio, cortante com o vento e perturbador, como se de uma cidade fantasma se tratasse.Afonso Henriques e seus homens entraram, de espada em riste, apenas algumas construções e uma égua solitária junto a um poço. A um canto, sentados, dois mouros idosos, um magro e grisalho, outro com uma vara de vime, cego, sentado num tapete junto à égua. O magro dirigiu-se ao novo senhor, meneando a cabeça:

-Salam’aleq, Ibn Enrik- saudou, dirijindo-se à comitiva dos cavaleiros do manto branco.

-Quem és e onde está a guarnição deste alcácer?- interrogou  na língua dos mouros ,Pêro Pais, a mando do rei. Onde estão os refik, guardiães da rábida de Xentra?

-Nada sei, nobres cavaleiros. Sou Ahmed,apenas me disseram que entregasse a chave ao conquistador de Al-Ushbuna, e assim faço- e estendeu uma chave em bronze, símbolo do castelo mouro que já anteriormente se havia rendido.

Afonso Henriques e os demais apearam-se, perto da mesquita de Fátima , agora silenciosa, o rei acercou-se da muralha e apontou uma povoação ao longe,para o lado do mar, perguntando como se chamava:

- Al-Mesjide(*),a terra da mesquita. (*Almoçageme)- respondeu o sarraceno.

A ausência de mouros  no castelo intrigou o rei, que após inspecção ao local descobriu disfarçada perto da  torre albarrã uma entrada. Aí os dois mouros ficaram assustados, tentando desviar a atenção. Afonso percebeu que lhe escondiam algo e mandou afastar a vegetação, com espadas. Era um túnel, o mouro cego parecia apreensivo. Precedido de dois cavaleiros e com os mouros sob coação de um escudeiro, entraram, munidos de archotes. A montanha parecia oca, e o caminho enorme. Fora por ali que os mouros haviam sumido, mais de uma légua a andar saindo junto a um rio e depois de um povoado designado Al-Gueirum (*Algueirão). A serra era perfurada e cheia de túneis, escavada para fugas estratégicas e mesmo até entrada de reforços, Afonso Henriques gabou a ciência dos homens de Mafoma.

Voltando ao alcácer , um caminho lateral a meio parecia desviar para uma escadaria. Aí o mouro cego, de nome Muhamad, pediu que não avançassem:

-Senhor de Al-Ushbuna, detém-te, misericordioso, ante os sagrados lugares!

-Sagrados? Só Nosso Senhor Jesus Cristo é sagrado, infiel. Sigam-me!

Ante uma algaraviada dos mouros velhos, Afonso, Pêro e Henry adentraram-se no estranho local. O mouro grisalho explicou então:

- Aqui estão os sagrados despojos do mullah de Xentra. Mas não se pode entrar, sob pena de graves maldições: hordas de demónios djins guardam o templo de ak-sherim, onde se chega pelo sura-loka, depois de 44 degraus. Ao fundo há um lago e depois…- Aí o mouro calou-se, como se uma grave revelação o deitasse a perder, perdido já estava na mão daqueles ocupantes estrangeiros.

-Depois?....-Afonso Henriques sugestionou, mas preferiu não saber, havia que lidar com os mouros para lhe arrotearem as terras, conquistada Xentra trinta cavaleiros instalariam a sua autoridade régia a partir do Arrabalde. Voltou ao castelo e rumou para Palmela, a tomar posse de novo castelo também já rendido depois da queda de Lisboa.

O túnel do castelo mouro fechou-se então. Em zona interdita,depois do lago, ficava a catedral universal do mundo de Badagas, onde  Soleiman Ha Shari, filho dum vali de Xentra  duzentos anos antes edificara um altar  junto ao túmulo de seu pai, o sábio Soleiman. Na pedra, uma inscrição há muito oculta: Allah há beri (*Realização de Deus).Era o secreto e sagrado templo dos mouros de Sintra.

Os Senhores da Cruz poupavam os Cavaleiros do Crescente, e estes lentamente nos dias a seguir retornavam ao castelo pelos túneis da Montanha Oca, a Medina pacificada ,de novo colorida e ruidosa, mouros e cavaleiros para sempre partilhando o Monte da Lua.

publicado por Fernando Morais Gomes às 10:22

A encosta onde nada medra...
RS a 25 de Fevereiro de 2011 às 11:01

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