O estafeta apressava-se, correndo com a missiva de papel esvoaçando na mão. O telégrafo não parara, pelo ar alvoroçado, seria coisa séria. Que a missiva tinha de ser entregue com urgência no Chalet do Nabo, ordenara o chefe dos serviços postais.
-Mensagem para o Sr.Barros Queiroz! -gritou para a criada de fora o agitado rapaz.
A velha Ermelinda, na casa há oito anos, correu a chamar o patrão que escrevia no escritório:
-Sr.Tomé, é para si! Valha-me Nossa Senhora! Que pressa, rapaz, tem calma que te dá uma coisa!
Tomé de Barros Queiroz, comerciante em Lisboa, regressara uma semana antes das termas e descansava uns dias em Sintra, na casa que permutara com o Santana da Pepa. Os rumores sobre a morte do Dr. Miguel Bombarda faziam-no temer que fossem más notícias ligadas com as escaramuças envolvendo os marinheiros. Abriu apressado a mensagem e o semblante depressa passou de angustiado a sorridente e aliviado.
-Conseguiram! Enfim conseguiram!
-Más notícias, sr. Tomé? –sondou a Ermelinda,curiosa.
-Óptimas, Ermelinda, óptimas!
Voltando ao escritório, pegou na bengala e cartola e a pé galgou uns metros até ao Largo Afonso de Albuquerque, logo ao cimo da rua.
-Quando a senhora voltar de Colares diz-lhe que tive de sair, mas que não fique preocupada! -ainda gritou à Ermelinda, acelerando o passo.
A notícia dos republicanos triunfantes em Lisboa, enviada por José Relvas, deixou-o ufano, parecia um garoto correndo rua a cima. Que tinha de ser ele a anunciar o triunfo do movimento em Sintra, escrevia Relvas, na mensagem. Iriam enviar João Chagas e o Malva do Vale, para confirmar o sucesso das armas.
Chegado ao largo onde esperariam os enviados de Lisboa, já quase toda a vila sabia do sucedido e comentava-se a revolta à boca pequena, entre a apreensão e o júbilo.
-Parece que o rei fugiu para Espanha! E o Arreda está no Alentejo, escondido! -dizia o Pedro Costa Azevedo, velho republicano de Sintra, dando voz aos boatos, e eufórico.Barros Queiróz abraçava uns e outros, e conjecturava com Azevedo quando uma viatura preta e solitária fez soar o ruidoso motor vinda dos lados da Vila. A multidão, que já era significativa, ficou em êxtase e deu vivas à República e ao Governo Provisório, eram os enviados de Lisboa que chegavam. Um pouco mais perto, porém, descortinaram dois vultos de mulher, de roupa escura, uma com ar absorto e um véu preto cobrindo-lhe um chapéu largo, outra, vestida de forma mais modesta segurando uma mala
Barros Queiróz aproximou-se, em tom inquisitivo, para logo se deter, hesitante. Era a rainha, D.Amélia de Orleães e Bragança, que vinda da Pena se juntava à Família Real, de emergência levada na véspera para Mafra. Assumindo a liderança dos populares, Barros Queiróz pediu silêncio, e que todos se afastassem uns metros do veículo. Aproximou-se, e levantando a cartola esboçou uma vénia, reverente e discreta.
-Minha senhora….
A rainha, ainda marcada pela morte do marido e filho num fatídico Fevereiro dois anos antes, baixou os olhos, serena, perante a expectativa dos populares, para logo de seguida, após assentimento de Barros Queiróz, passar o veículo a velocidade lenta, observado em recato pela multidão até o pó da terra se dissipar no ar.Refeitos os ânimos, lá chegaram João Chagas e os demais dignitários, seguindo todos a pé, com Formigal Morais e Costa Azevedo mais expansivos, para os paços do concelho, que apenas poucos meses antes Virgílio Horta inaugurara em honra dos Braganças que agora se esfumavam. Sem oposição e emocionados, subiram ao varandim. Tomé de Barros Queiróz fitou a serra, a multidão e os companheiros que o ladeavam. E na singeleza das palavras, escreveu nesse dia História em Sintra, a Sintra onde se recolhia para saborear palhetos e discutir em acaloradas tertúlias nocturnas a política de que agora era actor, e que pela sua voz inaugurava a chegada dum período novo.