por F. Morais Gomes

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Out 10

Em Novembro de 1924 veio a Sintra o então Presidente da República, Teixeira Gomes, para o lançamento da primeira pedra do novo hospital a localizar atrás da então cadeia comarcã e confinante com a R. das Murtas, junto à estação ferroviária. Usou-se da palavra, exaltou-se o progresso, peroraram os comendadores encartados, fez-se auto do acontecimento e do mesmo se lavrou cópia, que se depositou debaixo da pedra em recipiente de vidro, enterrada testemunha para a eternidade daquele momento solene em que Sintra ia passar a ter o "seu" hospital. Era projecto de Porfírio Pardal Monteiro, vistosa foi a  cerimónia, com ministros, edis, fardas com dragonas e filantrópicas damas, tudo com  acompanhamento musical das Bandas do 1º de Dezembro e dos Bombeiros da Vila e S.Pedro. Sintra rejubilava com mais esse acertado passo no sentido dos melhoramentos, a saúde ía inscrever-se no mapa dos direitos que uma sociedade civilizada não podia dispensar.

Os anos passaram, os regimes também, e do novo hospital nem um tijolo. Noventa anos depois, perdeu-se o velhinho Hospital da Misericórdia, na Vila e a assistência ao maior concelho do país (em residentes) é feita em unidades dos concelhos limítrofes. Outras pedras e outros projectos se foram sucedendo, mas o Verbo é inimigo da Verba e a saúde continuou bastante adoentada. Inclusive, não fossem as normas do registo civil alteradas, ninguém, não fosse  nascido dentro da ambulância ou em algum carro dos bombeiros poderia reclamar ter nascido em Sintra, pois há vários anos que  maternidade é valência desconhecida por aqui, nunca um primeiro choro de bebé ressoa nestes ares avessos a parturientes. As poucas  cegonhas  vindas de Paris sobrevoam a Pena, mas com destino a Cascais ou a Lisboa.

Projectos, terrenos e comissões, já houve vários, conforme os ciclos eleitorais (e por causa deles),mas  um Hospital de Sintra (e em Sintra, concelho)é já do domínio da lenda. Aquela pedra e aquele recipiente de vidro solenemente enterrados em 1924, são  homenagem perene e subterrânea à incapacidade de decidir, apanágio de quem nos tem (des)governado de forma endémica, na fúria estatística de coleccionar primeiras pedras para mero arremesso de propaganda.O Hospital de Sintra deixou de ser uma prioridade para os vivos, mas será por certo um atractivo para os futuros arqueólogos que um dia descubram a pedra, qual Graal redentor, e até pensem que tenha havido um holográfico hospital em Sintra, na velhinha Rua das Murtas.

publicado por Fernando Morais Gomes às 12:31

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