por F. Morais Gomes

04
Out 10

1808.Naquela  manhã de 22 de Agosto, Andoche  Junot reunia de emergência o seu estado-maior numa  improvisada tenda de campanha nas colinas de Torres Vedras. Apesar das tropas do barrete frígio se haverem batido com valentia, os confrontos no Vimeiro haviam sido um autêntico desaire. O corpo misto luso-britânico estava prestes a receber mais reforços, Abrantes havia sido tomada, cortando o caminho para Espanha,os franceses já estavam entrincheirados a norte do rio Ebro. As tropas ocupantes estavam desmoralizadas, nova batalha seria suicida. A alternativa era negociar.

-Delaborde , convoque os generais! -ordenava o homem que Bonaparte enviara como amigo a Lisboa, e agora se portava como pró-consul deste recente protectorado a sul dos Pirinéus. Tem de se reavaliar a situação! Paris não vai tolerar más notícias. E mande um pelotão de lanceiros requisitar víveres a esses campónios. Kellerman, você, vá ao Vimeiro escutar o que  Wellesley tem para nos dizer, e encontre-se comigo em Lisboa, depois. Há que controlar os acontecimentos! Proponha negociações, em meu nom.Surtout il faut qu'on gagne l'avantage!

Depois duma entrada conquistadora em Lisboa meses antes, o agora Marquês de Abrantes, apesar das crueldades do maneta Loison e de Thomiéres,  espalhando o terror e as  pilhagens nos campos do Alentejo, sentia que os ventos mudavam de direcção após vir actuando actuando como putativo rei na ausência do pusilânime regente, alvorado às pressas para terras insalubres a sul do Equador.

Por banda dos britânicos, o comandante sir Henry Dalrymple recebeu com prudência a proposta de negociações de Kellerman, com o apoio de outro dos generais no terreno, Harry Burrard. Wellesley, um dos principais comandantes, todavia, torceu o nariz.

Dalrymple e Burrard estavam desejosos de uma trégua para acertar posições, os franceses estavam forçadamente conscientes que a sua situação era nessa fase insustentável, sem a certeza de receber reforços ou assegurar abastecimentos junto duma população hostil e sem recursos, caso decidissem prosseguir os combates.Para mais, a  24 de Agosto desembarcara na Maceira o general Moore, com um reforço de dez mil homens. A melhor solução seria uma pausa negociada nas hostilidades, que após cedências e recuos, lá se apalavrou.

A 30, o Estado Maior aliado retirou para Sintra, para aí solenizar o aviltante acordo. Antes de se encetar a marcha, o general Bernardim Freire de Andrade até ali a principal patente portuguesa no exército anglo-luso, apreensivo, ainda interpelou Dalrymple.

-Sir Henry, sei o quanto as forças britânicas querem ajudar a libertar o nosso Reino e repor o Governo do Príncipe D.João, mas não podia ter-se aproveitado a situação de força no terreno? Em Roliça correu-nos bem, temos mais peças de artilharia e cavalos, os homens estão animados..

-General,trust us.We know how to deal with those french peasants. Your country will be freed ,i say-respondeu o velho militar, com o proverbial paternalismo britânico

-Mas a partilha já acertada parece exagerada para quem está em posição de fraqueza.Kellerman está a fazer um jogo de gato e rato para ganhar tempo. Podíamos cortar-lhes a retirada antes de Tomar e ….

-Your Regent Prince and our King are supporting  these procedures, as well as my admiral,Sir Charles –atalhou Sir Henry, sem deixar o ingénuo Bernardim concluir.And besides, I suppose I don’t need to remind who's in comand of this army ,sir!-cortou riste, sem dúvidas de quem dava ordens naquele improvável exército, maioritariamente composto por soldados de Sua Majestade compelidos a enfiar-se naquele rincão pejado de mosquitos,mais  dado a procissões que batidas à raposa,e a broa com sardinhas comidas à mão. Ah, a carne do Yorkshire! .Dreadfull!

-Sir Charles Cotton aprova?- questionou ,surpreso, ao ver mencionado o nome do almirante ,superior de Dalrymple.

-Indeed.Listen, it will be my first time in Sintra,so,when we'll get there, we'll sign the papers with those bastards and enjoy some decent weather .Wellesley told me that Colares wine is fine,and Kent mentioned a certain irish lady, miss Lawrence,may be she'll be attending...

Bernardim anuiu, sem mais poder alvitrar.A 30, Dalrymple e Burrard assinaram em Sintra em nome de Sua Majestade Britânica um dos textos mais vergonhosos da guerra, manchando a vetusta aliança anglo-lusa.

Os termos da Convenção, foram extremamente favoráveis aos franceses, apesar de derrotados no terreno. Os portugueses, postos de parte nas negociações, não aprovaram as condições acordadas na convenção, que permitiam a saída de riquezas do país, sem hipótese de recuperá-las. Junot, ele mesmo, aboletara-se com vasto património, entre ele uma Bíblia dos Jerónimos de valor incalculável. Os protestos de Bernardim Freire de Andrade, foram ignorados pelos generais ingleses.

Mas também o governo de Londres, sabedor tardio do acordo, não viu com bons olhos a saída dos imerecidos despojos e das tropas afectas ao Corso. Dalrymple, Burrard e o próprio Wellesley, acabariam mesmo por responder em tribunal militar pelos seus actos. Só as acusações contra Arthur Wellesley foram retiradas, pois este se recusara, num primeiro momento, a assinar a Convenção, acabando por o fazer instado pelos seus superiores.

Durante o mês de Setembro e princípios de Outubro ficou concluído o embarque das tropas francesas, após quase dez meses de ocupação, vencidas no campo de Marte, mas premiadas com o espólio esbulhado e garantias de integridade física, estranho prémio para quem acabava de sofrer um revés.

Sintra emprestava o nome a um vergonhoso jogo das potências, mas o Reino parecia poder descansar por momentos, e Dalrymple beber um Colares na fresca Sintra esticando as pernas à sombra duma acácia na estalagem de Jane Lawrence.

Enquanto um país órfão e desnorteado via o seu futuro decidido por recentes inimigos e pouco assumidos amigos, lá longe, em Fontainebleau, Napoleão preparava já um exército de 200 mil homens para repor o domínio francês na Península na primeira oportunidade...

publicado por Fernando Morais Gomes às 06:44

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