por F. Morais Gomes

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Out 10

Pierre Schlumberger, o alsaciano milionário do petróleo passeava por entre as luminárias e archotes da Quinta do Vinagre, inspeccionando os pormenores para a festa do ano enquanto repórteres da Time e Paris Match chegavam a Colares.250 militares da GNR garantiam a segurança dos mais de 1200 convidados servidos por cerca de 200 criados impecavelmente vestidos de libré, dois dias antes da festa que outro milionário, o boliviano Anteñor Patino daria na sua quinta no Alcoitão, era o momento de brilhar.

Pierre acabara de se retirar da direcção da Schlumberger Well Surveying Corporation, com actividade em Houston e sede em Curaçao, depois de desde 1956 assegurar a presidência da mesma. Seu pai, Marcel e seu tio Conrad haviam iniciado os proveitosos negócios da Schlumberger em 1927.Petróleo, equipamentos eléctricos, mais de 343 milhões de dollares em vendas só em 1966, era apenas parte do império construído em quarenta anos.

Com mais tempo disponível, era tempo de mostrar ao mundo o poderio dos Schlumberger. Casara quatro anos antes com Sãozinha, uma portuguesa com sangue alemão, que estudara História em Lisboa e o convencera a comprar aquela quinta em Colares.

A casa era quinhentista, ricamente decorada. Mandara vir Picassos, tapeçarias, samovars, castiçais.Vinte quartos, onde durante meses decoradores e arquitectos prepararam um cenário feérico, mais de três milhões de dólares de ostentação. No pátio da entrada, onde pontificava uma comprida varanda aberta assente sobre colunatas um tanque com dois leões heráldicos rematava o conjunto.

Antes da festa, alguns momentos a sós com Sãozinha, um anel de brilhantes mais a  premiar o bom gosto que como anfitriã emprestava a toda a parafernália desaguada em Colares.

Na noite de 3 de Setembro de 1968 toda a beautiful people, confluía para Lisboa. Jactos, iates, bólides, todos os que foram bafejados pelo almejado convite. Não ir à festa Schlumberger era ser condenado à irrelevância. Até ministros quiseram ir, Salazar opôs-se porém, havia que ter contenção, já iam as filhas do senhor almirante Tomás.

À hora aprazada, o glamour da Europa e da América, o exotismo asiático, playboys, tycoons da finança, desfilavam pela estrada de Colares enquanto nas bermas, populares dando largas ao voyerismo tentavam identificar as estrelas, apreciar os vestidos, as jóias, os decotes das celebridades:o rei Umberto de Itália, Juscelino Kubitschek, os duques de Bedford, a princesa Ira von Furstenberg, Vincente Minnelli, Zsa Zsa Gabor, Audrey Hepburn, Françoise Sagan ,Gina Lollobrigida, a Begum Aga Khan, entre outros.

Flûtes de champanhe  e canapés de lagosta circulavam ao som de duas orquestras, qual conto e fadas, mas  daqueles que à meia noite os cocheiros não viram ratos nem as carruagens abóboras. Alguns populares acenavam, a condessa Rotschild trazia mesmo uma tiara cópia  fiel de uma que viram a Grace do Mónaco, asseveravam alguns.

Gina Lollobrigida, a mais decotada, desde o Palace do Estoril que vinha seguida pelos papparazzi, de repente canalizados para um exótico palacete em Colares. Audrey Hepburn recordou que nessa noite eram os 51 anos de Henry Ford II, e lá veio o “happy birthday,dear Henry”.

Os guardas da GNR, entre o pasmo e o assombro contemplavam aquela Sodoma de pavões e peruas, as luzes admiráveis, a fartura de comida e bebidas, que gentilmente os anfitriões puseram à sua disposição. O cabo Antunes, recentemente transferido de Mesão Frio, sentia-se  chefe dos guardas em Buckingham Palace, tendo montado um perímetro entre Almoçageme e Galamares onde só carros de alta cilindrada circulavam. Ainda provara uma coisa chamada cabiar, disse depois lá no posto, mas para ele aquelas mariquices não davam,umas  bolinhas pretas sem sabor a nada, antes uma posta mirandesa com um tinto do Dão, reclamara, a comida dos finos não puxa carroça.

A ex-rainha Soraya, da Pérsia, alertada para a ocorrência dum sismo no seu país nesse dia, comentava com Curd Jurgens que sismos há muitos, mas bailes como aquele eram imperdíveis, que não a incomodassem com essas trivialidades…

Sãozinha obsequiava, os milhões de Pierre eram mais que suficientes para a “festinha”, como lhe chamara. O vestido deslumbrante, meteria o da empertigada Duquesa de Argyll, uma das dez mais bem vestidas do mundo, num sapato, passeando o seu charme regado a Chanel pelos jardins da Quinta do Vinagre.

Como era exótico este Portugal em 1968.Num país onde as notícias frequentes eram da partida de soldados para o Ultramar ou os festivais da canção onde o jet set doméstico desfilava anualmente, ocorriam duas festas rivais com dois dias de intervalo apenas separadas pelas dezenas de vestidos, penteados, diademas, charutos, e uma serra silenciosa e serena.

Por cá, aproximava-se o fim de uma era. A 6 de Setembro, à noite, um carro saía de São Bento. Salazar, com o médico, Eduardo Coelho, ao lado e o director da PIDE, Silva Pais, à frente, seguiam a caminho do Hospital de S.José. Os médicos não se entendiam quanto ao diagnóstico mas concordavam que era preciso operar, o que aconteceu a 7 de Setembro. Uma cadeira, que por certo não viera da festa milionária, havia feito das suas…


publicado por Fernando Morais Gomes às 09:42

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