por F. Morais Gomes

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O roupeiro-mor fechou-lhe os olhos, confirmando assim que El-Rei havia partido deste mundo, no mesmo quarto e na mesma alcova onde nascera quarenta e nove anos antes. Já há cinco anos afastado dos negócios do Reino, entregues ao príncipe herdeiro D.João, depois dum  retiro amargurado no cárcere do Varatojo D.Afonso V  deixava esta vida no Paço Real de Sintra naquele 22 de Agosto de 1481.Corrida a cortina do dossel, logo se mandou tocar os sinos.O escrivão da puridade, e os filhos do rei assistiram aos últimos momentos, breve se iria juntar na cripta da Batalha a seu pai e seu avô.

Aos vinte seis anos, chegara a hora de D.João, o segundo do nome. Os meandros da corte não lhe eram estranhos, fora regente nas ausências do pai em França e Castela. Armado cavaleiro em Arzila junto ao corpo morto do conde de Marialva, estivera igualmente nos confrontos de Toro, tinha noção de quem lhe era  leal e quem contra ele  intrigava.

Dias depois, a vila de Sintra assistia ao levantamento do novo monarca. Vestido de burel, com uma opa de pano de ouro, pela manhã assistira à missa. Num palanque fronteiro ao Paço com dossel debruado a ouro e dois degraus elevada, uma cadeira destacada, de pano de brocado com uma almofada em cima e outra aos pés.Aí receberia o novo rei o ceptro simbólico do seu trono.

Iniciada a cerimónia,à direita do novo rei um alferes  segurava enrolada uma bandeira com as armas reais,à esquerda ficava uma cadeira mais pequena, com um missal em cima.Atrás, os prelados, oficiais, fidalgos, o escrivão da puridade, D.João da Silveira, destacado.

Vasco Fernandes, à esquerda, abriu a arenga, opa de veludo preta vestida:

-Bem sabeis todos como a Nosso Senhor aprouve levar para si da vida deste mundo o muito alto e excelente Príncipe de muita esclarecida memória El-Rei Dom Afonso, nosso senhor que Deus haja, por cujo falecimento o muito excelente príncipe e muito poderoso senhor Dom João seu filho, nosso senhor natural e primogénito herdeiro de seus Reinos herda e sucede os ditos reinos e senhorios deles,e  ora está aqui  para tomar título de nosso rei e destes Reinos.Assim vos encomendamos que o queirais fazer, e com a graça de deus reger e governar, e ministrar a justiça, graças e mercês que vos foram dados pelo  senhor rei vosso pai e por outros reis seus predecessores.

Posto isto, o bispo de Lisboa alcançou-lhe o missal e leu o juramento, que repetiu, voz segura, olhando a todos e cada um como novo senhor da grei.Já investido, tomou juramento de lealdade de todos os dignitários presentes, começando pelo escrivão da puridade, o mais importante dignitário a seguir à família real, posto o que o alferes despregou a bandeira com as armas reais e gritou na direcção da multidão:

-Real, Real, pelo muito poderoso El-Rei Dom João nosso senhor!

E descendo do palanque, correu a cavalo, a proclamar iguais palavras por todo o arrabalde, para que o mundo soubesse que um novo rei se aclamava nos reinos de Portugal, no fim volvendo a bandeira ao Paço para solenemente ser guardada.

Posta a cerimónia, D.João recolheu a seus aposentos, onde vestiu o manto e capelo preto, paramentos azuis, barba crescida enquanto durasse o luto por seu pai, três meses.A rainha D.Leonor saudou-o aí, formalmente.D.João esperara por aquele momento, sentia-se predestinado ao mando sem contemplações. Avesso a intrigas, bem vira o que acontecera com seu pai, e antes ainda com seu tio-avô D.Pedro, caído em cilada fratricida, vinha resoluto.

-Senhora, um novo tempo vai nascer no Reino que foi de meu pai e de meus avós.Temente, a Deus só, que os homens só respeito guardam a quem temem !-afirmou, perante a rainha que tanto o estimava mas também lhe tinha medo. Quando furioso chispavam-lhe os olhos, num transe de quase possuído.

-Porque D.Diogo, vosso irmão não veio prestar juramento a seu novo Rei? -perguntou, não esperando pela resposta. O Duque de Viseu faltara , não mais esqueceria, era generoso mas igualmente rancoroso.

Nesse dia, por toda a vila e pelo Reino se jogaram canas com galhardas quadrilhas a cavalo e promoveram justas. O povo celebrava um novo reinado que viria a tornar o grande Mar Oceano num lago português. Em menos de uma semana, Sintra chorosa via partir um rei e ufana celebrava a chegada de outro.


publicado por Fernando Morais Gomes às 15:29

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