A frota sulcava as frias águas daquele norte, tundra ao longe, o fiorde para trás ficara e Sigurd, na ponta da proa reflectia com Magnus sobre a viagem que acabavam de encetar.
-Sabes, Magnus, aprouvo que o Althing tenha concordado que os valorosos karls tivessem partido para esta cruzada -reflectia Sigurd, rei de Bergen, a quem o conselho dos nobres guerreiros autorizara a viagem aos Santos Lugares recuperados por Godofredo de Bulhão e agora nas mãos de seu irmão Balduíno, rei de Jerusalém.
-O povo está contigo, e os guerreiros também, Sigurd Jorsalafari. Oslo, Kaupang e Gokstad enviaram os seus melhores combatentes , com sangue resgataremos para sempre as chagas de Cristo!-jurava lealdade Magnus, companheiro de armas,o drakkar cavalgando as ondas para sul e para a glória.
Sigurd, filho do rei Magnus III, governava a Noruega com seus irmãos Oystein e Olaf desde 1103.Depois de em 1098 ter acompanhado o pai às Orkney, e aí feito conde e senhor, por essa altura igualmente foi celebrado como conquistador dos pictos e rei da ilha de Man. Agora, aos dezassete anos saía de Bergen com uma armada de 60 drakkars e knorrs de apoio, um total de 6000 valentes, entre libertos e escravos a caminho da reconquistada Jerusalém que havia que manter em mãos cristãs. Era o ano 1107 da era de Jesus Cristo.
O drakkar almirante, cabeça de dragão na proa velas listradas de vermelho e branco, lançava-se na imensidão fria destemido e desafiador.Os guerreiros, em cima das armas e armadura remavam cadenciados, qual sinfonia de guerra obedecendo ao encarregado do leme, marcial maestro do navio.
Breve acostaram a terras mouras, Vigo na costa da Galécia, saqueada e purificada, aí se detiveram para repouso dos homens. Navegaram depois junto à costa acercando-se da cidade de Al-Ushbuna, território inimigo na taifa de Badajoz.
Perto dum promontório escarpado, fogueiras ao longe denunciavam vestígios de uma cidade, vendo que não estavam prevenidos, prepararam o ataque. Cada drakkar com quarenta guerreiros, as knorr muito mais ainda, adentraram-se, não havia vestígio de sereias nos rochedos atraindo os homens e fazendo os navios bater nas rochas e afundar.
Subindo um rio estreito, navegaram entre pomares com maçãs de vários palmos, chegando a um porto mouro.Filhos de Mafoma com arados despreocupados cultivavam as terras e tiravam água cristalina de azenhas movidas por dolentes mulas.
Sigurd achou por bem investir. Fez sinal a Magnus e Olafsson. Ancorados junto a um braço de rio estreito e rodeado de hortas, encetaram a ofensiva, machados maças e lanças apontados. Um dos mouros, vendo aproximar o drakkar almirante gritou ao muezzin que alertasse a aldeia mas era tarde. Munidos das suas espadas os homens de Sigurd logo perseguiram e mataram dez deles que lavrando com uma charrua não puderam escapar, pegando fogo a uns palheiros de feno e pombais já com pombos esvoaçantes. Mulheres que teciam fujiram em pânico, corvos sobrevoavam o plácido vilarejo agora imensa armadilha onde uma matilha de voz estranha e estranhas roupas fazia presúria das fazendas, eterno ditame do vencedor sobre o vencido. Em duas horas aquela terra a que os nativos chamavam Colares caía às ordens daquele rei longínquo que preste respondia ao chamamento de seus irmãos que em Jerusalém defendiam o Culto e há já nove anos mantinham em mãos cristãs os sítios sagrados . Ululantes bebedores de hidromel devassavam as frágeis construções fazendo do rio antes cristalino uma poça de sangue. À noite, escapulidos os que puderam, festejaram, assando bois e atolando-se em cevada tépida.
Nos dias seguintes, obrigaram os que haviam ficado a entregar todos os bens que dispunham, esvaziando os lagares e moinhos, jovens de alva carne foram arrebanhadas como presas e escravizadas por vândalos exangues, carneiros esfolados e recolhidos nas embarcações acautelando a longa viagem pela frente. O castelo de Xintara sofreu investidas e emboscadas, a defesa era frágil e inoperante. E assim passaram duas luas cheias até que ,saciados, Sigurd ordenou que aparelhassem as embarcações.
Detiveram-se depois em Al-Ushbuna, que igualmente saquearam, para depois pilhar Alcácer, e bastados, galgar o Mediterrâneo.
Sigurd tudo encarava com espírito de libertador, punho dum Deus morto numa cruz que o seu povo não há muito adoptara, mas que só expulsando e castigando o almorávida soez podia honrar, esgrimindo a espada e venerando a cruz.Nesta costa ibérica pululante de moirama infiel cumpria parte dum destino que só o desembarque em terra sagrada e a peleja pelo restauro dos santos sítios dariam por concluído em honra.
Depois de passagens nas Baleares e na Sicília foi em Jerusalém Sigurd finalmente ao encontro do rei Balduíno e, saudado reforço, baptizado no Jordão. Dois anos depois, eram 1110 anos do nascimento de Jesus Cristo cobriu-se de honra na tomada de Sídon ganhando uma relíquia da cruz de Cristo. Depois partiu para o norte de Chipre e Constantinopla, três anos longe das brancas neves do Naeroyfjord, exilado nas areias quentes do Levante, e voltou a casa, onde ficara regente seu irmão Oystein, e onde continuou pugnando pela cristandade, fundando igrejas, criando dioceses. Até que, corria o ano de 1130, 27º do seu reinado, um vento gélido e polar, o Cristo da Cruz, ou o Odin dos seus antepassados, o levou dos trabalhos terrenos, quiçá para a Valhalha redentora dos povos do Norte.
Ainda hoje a Heimskringla, saga heróica dos reis nórdicos, recorda Sigurd, vencedor de Vigo e Sintra.
From Spain I have much news to tell
Of what our generous king befell.
And first he routs the viking crew,
At Cintra next the heathens slew;
The men he treated as God's foes,
Who dared the true faith to oppose.
No man he spared who would not take
The Christian faith for Jesus' sake."