por F. Morais Gomes

08
Nov 10

A frota sulcava as frias águas daquele norte, tundra ao longe, o fiorde para trás ficara e Sigurd, na ponta da proa reflectia com Magnus  sobre a viagem que acabavam de encetar.

-Sabes, Magnus, aprouvo que o Althing tenha concordado que os valorosos karls tivessem partido para esta cruzada -reflectia Sigurd, rei de Bergen, a quem o conselho dos nobres guerreiros autorizara a viagem aos Santos Lugares recuperados por Godofredo de Bulhão e agora nas mãos de seu irmão Balduíno, rei de Jerusalém.

-O povo está contigo, e os guerreiros também, Sigurd Jorsalafari. Oslo, Kaupang e Gokstad enviaram os seus melhores combatentes , com sangue resgataremos para sempre as chagas de Cristo!-jurava lealdade Magnus, companheiro de armas,o drakkar cavalgando as ondas para sul e para a glória.

Sigurd, filho do rei Magnus III, governava a Noruega com seus irmãos Oystein e Olaf desde 1103.Depois de em 1098 ter acompanhado o pai  às Orkney, e aí  feito conde e senhor, por essa altura igualmente foi celebrado como conquistador  dos pictos e rei da ilha de Man. Agora, aos dezassete anos saía de Bergen com uma armada de 60 drakkars e knorrs de apoio, um total de 6000 valentes, entre libertos e escravos a caminho da reconquistada Jerusalém que havia que manter em mãos cristãs. Era o ano 1107 da era de Jesus Cristo.

O  drakkar almirante, cabeça de dragão na proa velas listradas de vermelho e branco, lançava-se na imensidão fria destemido e desafiador.Os guerreiros,  em cima das armas e armadura  remavam cadenciados, qual sinfonia de guerra obedecendo ao encarregado do leme, marcial maestro do navio.

Breve acostaram a terras mouras, Vigo na costa da Galécia,  saqueada e purificada, aí se detiveram para repouso dos homens. Navegaram depois junto à costa acercando-se  da cidade de Al-Ushbuna, território inimigo na  taifa de Badajoz.

Perto dum promontório escarpado, fogueiras ao longe denunciavam vestígios de uma cidade, vendo que não estavam prevenidos, prepararam o ataque. Cada drakkar com quarenta guerreiros, as knorr muito mais ainda, adentraram-se, não havia vestígio de sereias nos rochedos atraindo os homens e fazendo os navios bater nas rochas e afundar.

Subindo um rio estreito, navegaram entre pomares com maçãs de vários palmos, chegando a um porto mouro.Filhos de Mafoma com arados despreocupados cultivavam as terras e tiravam água cristalina de azenhas movidas por dolentes mulas.

Sigurd achou por bem investir. Fez sinal a Magnus e Olafsson. Ancorados junto a um braço de rio estreito e rodeado de hortas, encetaram a ofensiva, machados maças e lanças apontados. Um dos mouros, vendo aproximar o drakkar almirante gritou ao muezzin que alertasse a aldeia mas  era tarde. Munidos das suas espadas os homens de Sigurd logo perseguiram e mataram dez deles que lavrando com uma charrua não puderam escapar, pegando fogo a uns palheiros de feno e pombais já com pombos esvoaçantes. Mulheres que teciam fujiram em pânico, corvos sobrevoavam o plácido vilarejo agora imensa armadilha onde uma matilha de voz estranha e estranhas roupas fazia presúria das fazendas, eterno ditame do vencedor sobre o vencido. Em duas horas aquela terra a que os nativos chamavam Colares caía às ordens daquele rei longínquo que preste respondia ao chamamento de  seus irmãos que em Jerusalém defendiam o Culto e  há já nove anos mantinham em mãos cristãs  os sítios sagrados . Ululantes bebedores de hidromel devassavam as frágeis construções fazendo do rio antes cristalino uma poça de sangue. À noite, escapulidos os que puderam, festejaram, assando bois e atolando-se em cevada tépida.

Nos dias seguintes, obrigaram os que haviam ficado a entregar todos os bens que dispunham, esvaziando os lagares e moinhos, jovens de alva carne foram arrebanhadas como presas e escravizadas por vândalos exangues, carneiros esfolados e recolhidos nas embarcações acautelando a longa viagem pela frente. O castelo de Xintara sofreu investidas e emboscadas, a defesa era frágil e inoperante. E assim passaram duas luas cheias até que ,saciados, Sigurd ordenou que aparelhassem as embarcações.

Detiveram-se depois em Al-Ushbuna, que igualmente saquearam, para depois pilhar Alcácer, e bastados, galgar o Mediterrâneo.

Sigurd tudo encarava com espírito de libertador, punho dum Deus morto numa cruz que o seu povo não há muito adoptara, mas que só expulsando e castigando o almorávida  soez podia honrar, esgrimindo  a espada e venerando a cruz.Nesta costa ibérica pululante de moirama infiel cumpria parte dum destino que só o desembarque em terra sagrada e a peleja pelo restauro dos santos sítios dariam por concluído em honra.

Depois de passagens nas Baleares e na Sicília foi em Jerusalém Sigurd  finalmente  ao encontro do rei Balduíno e, saudado reforço, baptizado no Jordão. Dois anos depois, eram 1110 anos do nascimento de Jesus Cristo cobriu-se de honra na tomada de Sídon  ganhando  uma relíquia da cruz de Cristo. Depois partiu para o norte de Chipre e Constantinopla, três anos longe das brancas neves do   Naeroyfjord, exilado nas areias quentes do Levante, e voltou a casa, onde ficara regente seu irmão Oystein, e onde continuou pugnando pela cristandade, fundando igrejas, criando dioceses. Até que, corria o ano de 1130, 27º do seu reinado, um vento gélido e polar, o Cristo da Cruz, ou o Odin dos seus antepassados, o levou dos trabalhos terrenos, quiçá para a Valhalha redentora dos povos do Norte.

Ainda hoje a Heimskringla, saga heróica  dos reis nórdicos, recorda Sigurd, vencedor de Vigo e Sintra.

From Spain I have much news to tell

Of what our generous king befell.

And first he routs the viking crew,

At Cintra next the heathens slew;

The men he treated as God's foes,

Who dared the true faith to oppose.

No man he spared who would not take

The Christian faith for Jesus' sake."


publicado por Fernando Morais Gomes às 08:53

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