por F. Morais Gomes

23
Nov 10

Dublin,20 de Novembro.Chovia copiosamente quando Gerry e Liam cruzaram a O’Connell Bridge em Dublin acabada a reunião no Banco da Irlanda. Economistas seniores, acabavam de negociar com o Eurogrupo e o FMI o bailout que iria possibilitar uma folga financeira ao desgastado governo de Brian Cowen. Uma Guiness no Gogarty´s vinha mesmo a calhar, cerveja e chuva são casamento diário em Dublin.

Gerry iria agora tentar convencer os parceiros europeus a contribuir para o esforço de encaixar uns milhões de euros nos falidos bancos locais à custa dos tax payers, que não deixariam de se lamentar emborcando litros de Guiness ao som dos Chieftains ou Dubliners. Como economistas chefes no Banco da Irlanda iriam fazer o périplo pelas capitais a explicar o plano de resgate. Liam íria a Espanha e Portugal, Gerry rumaria a Bruxelas ao encontro de Jean Claude Junker.

Lisboa, 21 de Novembro.Dia chuvoso igualmente, Liam O’Leary chegava ao Ministério das Finanças no Terreiro do Paço, o chefe de gabinete, Pacheco Carneiro, aguardava-o, cumprimentos da praxe, assessores sorridentes.

-Pois é assim: o meu governo gostaria de contar com o contributo do governo português neste pacote de medidas.Dele depende a estabilidade do euro, you know…

Carneiro sorriu, já sabia ao que vinham, a Standard &Poors acabava de baixar o rating da Irlanda para A-, Portugal oscilava.

-Pois não nos negaremos, a solidariedade entre parceiros fez-se foi para isso mesmo-aduziu.E quanto seria o montante em causa?

-A dividir por vinte sete é pouca coisa, mil milhões de euros, peanuts!

Carneiro esboçou um riso amarelo, logo acompanhado pelos caninos assessores. Despedidas formais, correu ao encontro do Ministro das Finanças. Teixeira dos Santos focado num laptop varria a lista de despesas  do orçamento a ver onde poderia cortar mais.

-Entre, entre Carneiro.Olhe, achei aqui mais uma rubrica para cortar:os passes sociais .Afinal a maior parte anda só a a passear, se ficarem em casa poupa-se mais. Alem disso, menos passageiros são menos carros em circulação, menos dióxido de carbono, é bom para a pegada ecológica. Depois dizemos que é para investir nas renováveis!- soltou uma gargalhada -Vai um café?

-Obrigado senhor ministro.Já foi a reunião com os irlandeses, vai custar-nos mil milhões.

-Mil milhões? Oh diabo! E eram eles os tigres celtas! E que lhes disse?

-Que sim ,se demos à Grécia, também não podemos falhar agora.O senhor primeiro ministro já disse o mesmo aos jornais.

Teixeira dos Santos ligou para S.Bento:

-Sim…Sim…Ok, sim percebo.Porreiro pá!

Finda a chamada ligou para os secretários de Estado, reunião de emergência.

-Meus senhores, temos de encaixar mais mil milhões na receita. Sugestões?

Os secretários coçaram a cabeça, com os olhos varriam o orçamento aprovado apenas uma semana antes. O do Orçamento aventou:

-Senhor ministro, podemos aumentar o IMI em 0,5%,aqui vamos buscar 200 milhões, acabar com os apoios às propinas nas universidades, mais 100, aumentar os transportes ,mais 100, só aqui já vão 400…

-Vá, vá esforcem-se lá, que amanhã quero estar em Bruxelas já com um sim categórico. Se julgam que Portugal é uma Irlanda qualquer vão ver, aquelas esponjas cantarolantes.O que precisavam agora era dum caldeirão no fim do arco-íris - e soltou uma risada, milhões ou tostões são apenas zeros à direita.

-Também temos a hipótese de cancelar o TGV…-sugeriu a medo o secretário do Tesouro.

-Ah não, isso não! -insurgiu-se o ministro.Não podemos hipotecar o progresso do país, aí nunca!- calando-se logo o cinzento secretário, óculos desajeitados

Duas horas depois, ar grave e pesaroso, anunciava-se aos media o esforço patriótico para salvar a Irlanda: mais 0,5% em todos os impostos sobre as pessoas singulares,  nas empresas e bancos não, para não perder competitividade, as verbas da acção social escolar congeladas, comparticipações nas farmácias para doentes terminais suprimidas, afinal se são terminais também já não precisam, é um peso, que patrioticamente morram baratos.

23 de Novembro, 15h.Em Bruxelas, Teixeira dos Santos e o homólogo irlandês bebiam um pint de Guiness no intervalo do Ecofin.

-Santos, vocês portugueses são uns parceiros fabulosos.Se fosse na Irlanda o governo tinha caído logo.Como é que vocês conseguem?-questionou o colega agora em apuros.

-Sabe, os portugueses gostam muito de ser prestáveis.Por exemplo, ninguém queria gastar com a cimeira da NATO, nós caprichámos, não somos nenhuns pelintras. Já viu que os mercados pensam: se podem gastar 10 milhões na cimeira então estão firmes, o rating sobe logo, viu?- e piscou o olho para o irlandês –Além do mais os portugueses já estão habituados a dever há muitos anos, se fosse doutra forma até estranhavam.Temos de falar mais, vocês ainda vão aprender muito connosco!.E lá seguiram ,de braço dado.

Dia 30, 18h.O voo 757 da American Airlines chega a Lisboa, os cinco elementos da delegação para a Europa do Fundo Monetário Internacional desembarcam sorridentes, na pasta uma cópia do orçamento português cheia de cortes a vermelho.Vai uma Guiness?


publicado por Fernando Morais Gomes às 14:33

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