por F. Morais Gomes

30
Nov 10

A manchete do PÚBLICO não deixava dúvidas: documentos revelados pelo site Wikileaks desvendavam que Osama Bin Laden poderia ter estado em Portugal em 2008.A embaixada americana em Lisboa teria recebido informações de que o mesmo entrara com um passaporte português falsificado, roubado na nossa embaixada em Riad, e teria estado alojado durante dois meses numa casa em Sintra, perto de Colares, de onde seguira para o Paquistão, onde se suspeitava que estaria neste momento.

Gustavo leu e ficou intrigado: dono de um táxi em serviço em Colares, lembrava-se daquele dia em que fora chamado para levar um indivíduo de meia idade, tez bronzeada e cabeça rapada a uma reunião no Restelo, um prédio de apartamentos junto ao estádio do Belenenses. O indivíduo, casaco escuro e camisola de gola alta, seguira sempre em silêncio, a seu lado um outro, mais jovem, indiano ou paquistanês, que todo o caminho falava pelo telemóvel, numa língua oriental, pareceu-lhe. Haviam pedido para esperar, a tarifa de ida e volta era a certeza do dia ganho. No regresso, deixou-os numa casa em Almoçageme, persianas corridas, aspecto de muito tempo abandonada, embora habitável. Voltou a vê-lo na praia, uns dias depois, o jovem sempre ao lado, vigilante.

Curioso, ao fim do dia, depois duma corrida até à Azóia passou pelo local, a casa estava de novo fechada.Decidiu entrar no jardim, acessível, embora isolado, não muito longe da Toca do Júlio. A relva há muito não era aparada, duas caixas de cartão continham jornais velhos. Aventurou-se a espreitar pela janela. Uma mesa e duas cadeiras, alguns sacos de plástico, um exemplar amarelecido de um jornal, árabe parecia-lhe. Seria aquele careca silencioso o famigerado Bin Laden que o mundo inteiro procurava e potentes sensores térmicos americanos falhavam em localizar?

Gustavo, sendo taxista, tinha uma frequência em Direito, desistira no segundo ano, e falava inglês razoavelmente, caso raro nos taxistas portugueses. Nessa noite pesquisou no Google dados sobre o terrorista mais procurado do mundo, o algoz do World Trade Center.Teria 56 anos, vivera muito tempo no Afeganistão, fora apoiante dos mujahidin e dos talibãs, tinha uma fortuna provinda dos negócios de família na Arábia Saudita. Alguns jornalistas que vagamente o conheceram referiam que sofreria de insuficiência renal.

No dia seguinte, ainda a matutar no misterioso careca, transportou o dr. João Botelho, clínico em Sintra, ao Centro de Saúde e como habitualmente, foi metendo conversa:

-Doutor, diga-me lá uma coisa, como é que se trata a insuficiência renal?

-Normalmente com hemodiálise, Gustavo.É um tratamento que pode levar de 3 a 5 horas diárias, e permite depurar do sangue substâncias como creatinina e a ureia. Faz-se usando um dialisador, onde o sangue é exposto à solução de diálise através de uma membrana semipermeável. Depois de retirado e filtrado pelo dialisador o sangue é devolvido ao doente pelo acesso vascular. É muito frequente hoje, o meu cunhado já faz há dois anos.

-Hum…. E tem de ser num hospital?

-Depende. Em alguns casos, o dialisato coloca-se no abdómen com um cateter lacrado. Leva várias horas a escoar a solução de reserva à bolsa e reencher o abdómen com solução fresca.

Nessa noite, voltou à casa de Almoçageme. Forçando uma janela, decidiu entrar.Sala deserta, numa mesa um mapa de Portugal e uma lista telefónica. Na casa de banho as loiças já calcinadas, uma escova de dentes num copo plástico, meio escurecida, nada de anormal.

Voltava a sair pela mesma janela quando descobriu uma lancheira azul, das que se usam nos piqueniques, numa dispensa. Abriu-a, no interior um volume de algodão, água oxigenada e um tubo fino, flexível. Era uma pista. Levou-os e foi a casa do dr.Botelho a mostrar

-Doutor, sabe para que serve isto? - e mostrou o tubo encontrado.

-Isso é um cateter, Gustavo.Olhe, lembra-se da conversa de hoje de manhã? Serve para tratamentos, como a hemodiálise, por exemplo.

As coisas começavam a fazer sentido.Um careca, disfarce óbvio para circular sem ser reconhecido, o indiano, da Al-Qaeda, de certeza, a hemodiálise.Tudo encaixava.Telefonou para a TVI e anunciou ter uma história bombástica, queria falar com o director de informação.

Pela manhã, ao volante do táxi dirigiu-se para Queluz de Baixo, imaginava já a CNN a entrevistá-lo para o Larry King, idas à Judite de Sousa e Nuno Rogeiro, exclusivos. Antes foi meter gasolina, em Colares, de soslaio leu as primeiras páginas dos jornais. Chamou-lhe a atenção uma foto, uma figura muito semelhante à do misterioso passageiro para o Restelo, com chamada para as páginas interiores. Correu a comprar, e fixado na página indicada inteirou-se da novidade:”Faleceu ontem em Lisboa, aos 56 anos, o conhecido arabista e professor da Faculdade de Letras Arménio Linhares. Autor de várias obras sobre o Médio Oriente, sucumbiu vítima de insuficiência renal. O Primeiro- Ministro já lamentou a perda irreparável para a comunidade científica nacional”.

Ainda mal refeito do impacto, o telemóvel chamava, da TVI:

-O director de informação vai recebê-lo a partir das 10h, pode confirmar? - perguntou uma voz feminina do outro lado.

-Não, não, lamento- respondeu, desolado. A essa hora tenho um serviço para o aeroporto…


publicado por Fernando Morais Gomes às 22:50

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