O plátano cresceu pujante junto à várzea, companheiro fiel e sombra fresca do fértil rio.
O plátano viu maçãs e romãs, uvas e alfaces, hortas fecundas bordejando as plácidas águas da charneca na serra da Lua.
O plátano acompanhou círios e charangas, descargas de uvas e o pisar de muito vinho.
O plátano chorou com cheias e ciclones, fogos e queimadas, natureza amiga também madrasta.
O plátano vibrou com ciclistas e atletas, corredores e amadores do crosse,colarejas e saloios.
O plátano protegeu caçadores e pescadores, lebres e furões,galinholas e patos nadando livres no rio.
O plátano viu choros de vida , enlaces de amor, lamentos de morte ao som do sino na igreja distante.
O plátano foi verde, amarelo, castanho, sombrio, vestido, despido, frondoso, perene,pigmalião , guerreiro da vida na várzea.
Muitos sóis e muitas luas passaram e não era já um, eram dezenas,patrulhando as alamedas nas estradas da serra, da vila ao oceano, garbosos guardando a dolente locomotiva vermelha que sorridente levava a banhos e aos ares iodados ruidosas crianças conquistandoras de acessíveis nespereiras e respirando os perfumes da terra e do estrume, da alfazema e jasmim.
Um dia o som terrível da humana trituradora silenciou os chilreios dos pássaros, os ninhos das andorinhas, o esconderijo do ouriço e a sombra do pachorrento jerico. Mercenários de Cynthia, de viseira e espada avançaram e esquartejaram, implacáveis no crime de lesa floresta com cúmplices silenciosos e mandantes impunes, os pássaros em uníssono carpiram chilreios , pombas esvoaçaram, mas em vão,o sol se fez noite e o rio vermelho cor de sangue.
Já despido das folhas , ensanguentados cotos , perenes testemunhas de muitos solstícios e equinócios passados, fúnebres marcharam para a câmara ardente de muitas lareiras, crematório de muitos passados, num deles a marca ainda de um coração esculpido, os nomes enlaçados de eternos namorados perdendo-se no fogo.
Em Dia de Trevas, o Deus da Floresta, capturado pelos gnomos da viseira e serra eléctrica nada pôde fazer no infausto campo de batalha da sagrada terra de Colares nesta era do Aquário.
Logo logo os pequenos seres que habitam a floresta laboriosos fertilizarão o plátano, todos os plátanos, e no tempo que as flores despontarem e os pássaros voltarem do Grande Sul a seiva da vida e o clorofila do Tempo voltarão a reinar, sagração da mágica renovação da Fénix, permanecendo por muito tempo depois dos homens da viseira e serra eléctrica desaparecerem das florestas.
Foto de Pedro Macieira, no blogue Rio das Maçãs