O voo desde Miami tinha sido atribulado, San José da Costa Rica de noite parecia minúscula comparada com a explosão de luz americana, o bafo quente e tropical misturando-se com o calor expelido pelos motores do 737 acabado de aterrar.
Vítor Mascarenhas, fotógrafo free lancer vinha em busca dos quetzal, pássaros multicolores que com a ajuda de uma empresa de birdwatching iria fotografar, um catálogo de fotos de natureza selvagem em preparação. Acabara recentemente com Magda, estagiária num canal de notícias por cabo, que o trocara pelo seu chefe de redacção, e partia para um defeso emocional, a distância daquele país exótico seria o bálsamo que pássaros emplumados viriam distrair e ajudar a esquecer.
Na companhia do discreto Ramon, ameríndio motorista do velho yellow cab americano em segunda mão, partiu à conquista do pequeno país sem exército, oásis de paz em mais de sessenta anos ,paraíso da biodiversidade, e na verdade os sons e cheiros da terra dos ticos inebriavam, sempre renovados, mais áridos, de cactos e chaparrais em Guanacaste, no Pacífico, rainforest húmida em Tortuguero, ondas fortes e ventosas em Tamarindo. E por todo o lado as iguanas, como gatos, jurássicas e dolentes, macacos pululando na copa de imensas árvores, o trovejar dos vulcões sempre acordados num dormitar perigoso, revolta da terra, ejaculação de vida.
Foi em La Fortuna que se instalou para a primeira etapa, resort de casas de madeira fronteiras ao cónico El Arenal, vetusto vulcão adornado de fumarolas, à noite sangrando de vermelho quente e furioso, os bungalows tremendo ,o som distante do grito dos símios com o cio chamando as fêmeas na noite profunda.
Na segunda noite, no bar do resort, depois de um safari fotográfico, já Ramon saíra a deambular na vila , entre uma cerveja refrescante e um prato de tapas picantes, revia as fotos do dia, a seu lado uma mulher, trinta anos, olhos verdes e cabelo escuro, pedia um copo de vinho, chileno de preferência,um livro com marcador na mão,cujo título não distinguiu. No silêncio da noite interrompido pela lava incandescente e segura, o distante ruído do caruncho laborioso na floresta cerrada ali ao lado, apenas o som das teclas de um grupo de calypso local soava dum velho rádio no bar. Olhando-a de frente, esboçou um brinde levantando a cerveja na sua direcção,tentou um diálogo:
-Buenas noches!Tudo bien?
A mulher olhou-o sem surpresa, como se já o tivesse visto antes e aguardasse um contacto, só estavam sete a oito clientes no resort, era época baixa, Vítor era bem parecido, barba de três dias, a Canon apetrechada denotava não ser apenas mais um turista de pacote.
-Hi!I’m american, Marjorie, from Columbus,Ohio!
Era afinal pintora de naifs, buscava naquele país quintal dos americanos exotismo e cor para mais uma exposição, sózinha,um marido professor,mas num congresso em Fort Lauderdale. Durante duas horas as cervejas e a conversa foram fluindo, o calor soltando as libidos, nos vinte e nove graus das duas da manhã banhavam-se já despidos na piscina sem luz do resort, o vulcão rugindo vigilante. Acabaram no quarto dela, nada como ser estranho num lugar distante para a aventura que a rotina dos rituais não permite, também isso apreciava naquela vida onde podia ganhar dinheiro divertindo-se.
Sem nada que a detivesse, dois dias depois juntos seguiram viagem com Ramon, um chalé de montanha em Monteverde, inesperada Suiça tropical entre as brumas do lago Arenal revelava a diversidade desse pequeno país, casa de montanha com uma só via de cabras, um S.Bernardo dormindo no lobby como casa de lenhadores de repente familiar. Aí entre as chuvas quentes e por trilhos enlameados, juntos fotografaram orquídeas e palmas, um ou outro armadillo ou capivara cruzando os refúgios por momentos profanados, colibris de todas as cores beijando flores brancas e verdes, altivo e reinante nos céus e nas copas, o quetzal, rara oportunidade de fotografar, por vezes mais de uma hora para captar pousado ou em voo.
Nessa noite Marjorie e Vitor fizeram um improvável jantar á luz de velas no restaurante do hotel, um risotto com espargos e vinho da Califórnia precederam mais uma noite de bálsamo, a felicidade dura pouco mas enquanto dura é para ser desfrutada, por baixo do varandim o S.Bernardo perseguindo um tatu furtivo logo escapulindo numa moita.
Os dias iam passando, longos e estupidamente felizes, os últimos em Tamarindo, praia pujante na costa do Pacífico, passeios a cavalo nas dunas ao sol intenso e purificador culminavam uns dias de retorno ao paraíso, Ramon, cúmplice e maroto sorria das avançadas dos gringos, despedir-se-iam em S.José, cada um ao seu destino.
Naquele último dia, ele desceu mais cedo para o pequeno-almoço, no varandim, ela tardava a arranjar-se. Voltando ao quarto, vazio, desaparecera, a bagagem sumida. Perguntou por ela, ninguém a vira, Ramon dormia, alguém chamara um táxi disseram no jardim. Vítor sorriu, pegando na Canon, todas as fotos com ambos haviam sido apagadas, apenas o sopro da brisa na noite cálida dos trópicos e o cheiro a alfazema restavam da aventura tropical. Na mala, perfumado, um bilhete testemunhava não terem sido sonho aqueles dias fabulosos:
“A felicidade é o momento. Este foi o nosso, não há que estragá-lo agora”.
No voo S.José-Madrid, Vítor bebendo um whisky que uma amável hospedeira serviu, de olhos fechados sorria, revisitando os dias passados,entre as imagens com as recordações de prazer e liberdade, voavam beijoqueiros colibris osculando narcisos,um quetzal ainda jovem pavoneava longas e coloridas penas ao sol.