Carlos da Maia e Cruges voltaram por estes dias a Sintra, não de break mas de comboio, a peça do Éter no Olga de Cadaval convidava a verem-se retratados. Ao saír da estação, direcção da Vila,e logo os logradouros do Larmanjat,imundos,um rato turista serpenteando.
-Como isto mudou, Carlos- desabafou Cruges, abismado e apossado dum sentimento de tristeza.
-Houve alguma greve,por certo,isto a crise, meu caro....- acautelou o amigo, dando o benefício da dúvida.
Pedantibus calcantibus,seguiram para a Vila, já sem banhos termais,buscando o remanso do velho Hotel Nunes, surpresa das surpresas, no local, em vez de um, dois hotéis:o Tivoli, gémeo daqueles prédios da Porcalhota por onde o comboio passara ,e o Netto. Que teria sucedido? Novo terramoto e nada avisaram para Lisboa? Pois que cenário dantesco de ruína, apetecível para um dramalhão do Garrett ou uma ópera de Wagner, fanático de tragédias.
Perto do palácio, o Eusebiosinho, mais obeso, e o Palma Cavalão passeavam com duas espanholas:
-Pois por cá, meus caros?-atirou com tom malandro Carlos da Maia. Os meus amigos estreitam laços ibéricos em Sintra?...
-Meu caro, nem queira saber. Fomos à Regaleira, coisa nova, daquele merceeiro do Monteiro, o homem enriqueceu e deu-lhe para artista, um espanto, mas estacionar, nem pensar. Parece dia daquele jogo inglês com tudo em ceroulas, o foot-ball.
-E las viviendas, por supuesto, tan preciosas pero tan maltratadas- rematou a Lola, uma das espanholas, agarrando o braço do Palma e sacudindo o leque.
-É como lhe digo, Eusébio, isto mudou muito, mas há muita coisa a precisar de obras. Isto quer é um Fontes! -elevou a voz o Palma, beliscando o traseiro da Lola, dengosa.
Passada a cascata, nos Pisões, heras e musgos em verde orvalhar, surgiu Tomás de Alencar, o velho poeta e amigo do pai de Carlos, que se juntou ao grupo num passeio a Seteais, bons tempos , já passados.Escondida pelo Sobreiro dos Fetos ,a Quinta do Relógio do tratante do Monte Cristo, fechada e abandonada,salteadores por certo, opinava o Alencar.
-Parece que vão comprar isto.Será para algum hotel? -questionou o Cruges.
-Olhe, cá pra mim eu abria era um centro para artistas, era bom para si,à sombra da serra... -alvitrou o Eusebiosinho.
-E pedia apoio ao Paes do Amaral, ele vai mudar-se para cá, sabia? Isto os negócios do tabaco…Vai dali sair uma verdadeira mansão!
-Agora já não é tabaco! Você não lê jornais, ó Eusébio ?Não sabe o que é o PSI-20?-atalhou Carlos da Maia.
Na verdade, ao chegarem a Seteais, Cruges sentiu-se prostrado com aquilo que lhe foi dado ver.Dum pequeno anexo de jardim nascia qual míscaro gigante um solar imponente e tumefacto.Só ao Alencar, lunático, lhe deu para fazer um soneto à beleza de Sintra e a sua exuberância, esquecendo o tumor por instantes.
Na impossibilidade duma burricada, por falta de asnos,decidiram- se a ver o novo bairro da Estefânea, em carruagem e lá foram os cinco, Carlos optou por procurar Maria Eduarda, na verdade o verdadeiro motivo da vinda a Sintra.
Mal chegados, cenário caquético: lojas chinesas vendendo traquitanas, casas antes solarengas agora em ruínas, lixo transbordando de contentores e esvoaçando qual ciclone, tudo arrastando, bancos por todo o lado. Era engano com certeza.
-Diga-me amigo, nós queríamos ir era ao bairro novo, o dedicado à rainha D.Estefânea, não era aqui…-atalhou o Cruges, puxando o braço do carroceiro.
-E onde pensa vomecê que está?É memo aqui!
-Pois….-disse o Cruges, abanando a cabeça, conformado.Já suspeitava.
-Olhem, sabem que mais ? Vamos mas é para Lisboa, que há novidades para o lado da R. dos Condes.- rematou o Palma Cavalão, maroto,alisando o bigode. E retornando à Vila, pegaram Carlos da Maia, que procurava romper no meio da horda dos turistas e volveram à capital.
Ao longe, a silhueta milenar dos Mouros continuava perene sentinela, coisa do mundo de Deus. Do mundo dos homens muito mudara em Sintra, umas boas outras novas, mas as novas não eram boas e as boas não eram novas.
-Isto quer é um Fontes!- ainda repetiu despeitado o Cruges, empunhando a bengala.