por F. Morais Gomes

09
Mar 11

António tinha avisado, o homem era uma figura. Obeso e careca, blaser azul com botões dourados, lenço vermelho no bolso do casaco, mais de cinquenta anos, o almoço ficara acertado para o Cantinho de S.Pedro, ocasião para conhecer Gregório Caravaca, alfarrabista e bibliófilo, com loja na Calçada do Combro e antiquário em S. Pedro. Pedro Carmona e António Ferragudo, jornalistas do “Privado” preparavam uma peça sobre os reis de Portugal, mão amiga dera-lhes a ler a história  fabulosa de Gregório. Pontual, ao meio dia e meia lá apareceu, um chapéu tirolês emprestava à figura um ar caricato, pose altiva mas um quanto desengonçada, vergada pelos cento e vinte quilos.

-Boa tarde, boa tarde, prazer em conhecê-los. Gregório Caravaca.- saudou, um cartão de visita com as armas dos Braganças explicitava “Gregório Caravaca, rei de Portugal e dos Algarves”, António sorriu para Pedro, piscando-lhe o olho de soslaio.

-Senhor Caravaca, muito prazer, nós…

-Majestade.

-Como?

-Pode tratar-me por Majestade, pessoalmente prefiro Alteza Sereníssima, como o meu tetravô mas eu sou constitucional, moderno, basta Majestade!- respondeu, ar sério, os dois não sabiam se rir ou entrar na onda.

-Majestade, seja, como sabe estamos a preparar um livro sobre histórias secretas dos reis de Portugal e o prof. Sottomayor falou-nos no seu caso, muito curioso, convenhamos- foi adiantando Pedro, ao lado umas páginas e cópias de documentos fornecidas por aquele professor da Clássica. -Segundo ele, o senhor será descendente de D.Maria I e como tal, reclama o título de rei para si…

-Efectivamente, e posso prová-lo!- afirmou peremptório, enquanto fazia o pedido, pernil com castanhas e um Pêra Manca de 2003, aquela barriga não enganava ninguém

-Segundo o professor, o senhor, digo, Vossa Majestade será descendente da rainha D.Maria I. Pode explicar-nos como foi isso e como descobriu?- Pedro antevia um almoço divertido, o queijo de Serpa estava bem seco como gostava, Gregório Caravaca  começou a desbobinar a sua história:

-Como sabem, a rainha D.Maria I casou com um tio, o irmão de D. José, D.Pedro, em 1760, muito mais velho que ela, o rei com medo que algum regente estrangeiro deitasse a mão a Portugal por ela ser mulher quis manter a dinastia em família e forçou-a a essa união. Quando ela tinha apenas 19 anos e ainda solteira, teve uma relação amorosa proibida  com um general de artilharia, Bernardo Atouguia e Melo, da qual nasceu o meu tetravô Diogo . Ora como o seu primeiro filho oficial, D. José apenas nasceu em 1761, sou eu, como primogénito e por via dessa descendência quem deve ser reconhecido como chefe da casa real, e não esse miguelista usurpador do Duarte Pio!- foi explicando, com o dedo apontando a casa solarenga não muito longe dali, hoje morada de D. Duarte e sua família, em S. Pedro.

-Mas se assim é, que provas tem o senhor….Vossa Majestade, perdão, daquilo que acaba de afirmar? - Pedro Carmona gravava a conversa, daria uma bela história para o suplemento de domingo.

-O diário do meu tetravô, o general, e a confissão da rainha à hora da morte, no Brasil, recolhida pelo seu confessor. Mas como diziam que estava louca ninguém levou a sério. Olhe, a história de Portugal talvez tivesse sido muito diferente! - ia perorando o putativo monarca, degustando uma garfada de pernil.

-Mas é difícil de provar, não acha? Como era possível a rainha estar grávida nove meses, ter tido a criança e ninguém dar por nada? - António a medo tentava não desiludir o convidado, apesar de tudo cordial e bom garfo. Caravaca tinha a explicação:

-Quando a ainda princesa apareceu de esperanças, o Sebastião José convenceu D. José a mandá-la uns meses para Vila Viçosa, longe dos compromissos e do escândalo, de modo que quando o rapaz nasceu, foi entregue a uma ama, a Anastácia, que a trouxe para Sintra, como seu filho, onde foi criado na casa do capitão-mor Máximo José dos Reis. Consta que durante uma visita da rainha à casa do marquês de Marialva terá mesmo mandado chamar a antiga aia para sem se dar a conhecer ver o seu primeiro filho! - Gregório Caravaca parecia agora rever a cena, dono do maior segredo da história nacional, para ele, até parecia uma história de Alexandre Dumas, mas real, esta. 

-Então e depois?- quis saber Pedro Carmona

-Depois, os descendentes foram vivendo aqui por Sintra, e pasme-se, o meu bisavô até ajudou a proclamar a República aqui, se ele soubesse…No meu negócio de alfarrabista deitei a mão ao diário do general Bernardo e assim pude reconstituir a história, os arquivos da Misericórdia permitem reconstituir a descendência a partir daí. E aqui estou eu, o vosso soberano e senhor!- rematou, o garfo no ar, qual espada em Aljubarrota.

-Quer dizer que então vai pagar a conta do almoço? -gracejou António, tirando umas fotos, o rei fazia pose de estado, a mão no casaco qual Napoleão.

-Bem, bem, já estivemos a falar melhor…- rematou, um almoço daqueles não era todos os dias, o negócio ia mal com a crise.

-Então e outro tipo de prova, mais científica…-voltou à carga Pedro Carmona.

-Já escrevi ao Sócrates para ele autorizar a recolha de ADN dos restos mortais de D. Maria para fazer uma comparação, o corpo está em S. Vicente de Fora, como sabem, mas não foi autorizado. Têm medo, sabem….

O telemóvel tocou e o pretendente ao trono pediu desculpa, tinha de se ausentar, aparecera um cliente para uma velha edição de Camilo e tinha de ir para Lisboa. Feitas as despedidas, Sua Majestade D. Gregório I, sem pagar a conta saiu apressado e de táxi correu para Lisboa, quando fosse restaurado no trono haveria de os fazer condes, prometia.


publicado por Fernando Morais Gomes às 09:13

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