por F. Morais Gomes

20
Abr 11

Hoje em vez da habitual história, uma pausa para falar da causa do restauro do chalé da Condessa, quase concluído e que a Alagamares vem acompanhando e defendendo há mais de 5 anos. Para tanto sugeria a leitura dos textos sobre a luta cívica pelo restauro que cidadãos de Sintra promoveram (links abaixo), e a visualização de 2 pequenos filmes, um  sobre a recuperação dos jardins envolventes, e outro, de Pedro Macieira, sobre uma das várias visitas de sensibilização promovidas. No final, um poema de Maria Almira Medina escrito para essa visita e por si lido no local. Quando o Verbo se harmoniza com a Verba as coisas nascem e avançam.5 anos de persistência, que contudo, não acaba aqui, mas encerra uma primeira e importante etapa.

Textos em:

 

http://www.alagamares.net/alagamares-informacao/artigos/noticias/561-chale-da-condessa-a-fenix-renasceu

 

http://www.alagamares.net/documentos/item/downloads/dossier-chalet-da-condessa-por-fernando-morais-gomes

 

 

 

 

 

 

Poema de Maria Almira Medina-  Chalé da Condessa, 2 de Março de 2008

 

Pés vegetais descobriram caminhos

longitudinais

Logo troncos asrbóreos verticalizaram  os sonhos

                                     de navegação em verde

na busca de muitas outras índias mais

Depois

os fetos

tais desenhos de mãos e dedos

a acariciar dolentes os penedos

linguajaram falas alegrias mágoas

num diálogo poliglota banhado de águas

Então as flores da cameleira rebentaram

em notas musicais

o pitósporo odorizou a primavera inteira

o junípero a tília a magnólia e o

eucalipto "obliqua" marcaram uma etapa de amor

uma chegada

 

 

 

 

o farol da viagem era a casa

com seus olhos de lume e boca incendiada

 

 

publicado por Fernando Morais Gomes às 09:01

19
Abr 11

Elise gostara do local, a Pena não, grande demais, seria tema de falatório, Maria Pia não perdoaria. Aquele recanto resguardado por ciclópicos penedos era perfeito, longe o suficiente para o recato procurado. Agora que a obra estava pronta havia que ajardinar, John Slade, o cunhado de Elise ajudaria, silvicultor experiente na América, já muito lhe falara em plantas do Japão e da Austrália para o local. Depois do casamento, Fernando apressara as obras, queria fugir das Necessidades, das irritantes tosses de S. Carlos e dos remoques de Luís, agora no trono. Lipipi crescera, largara o fato de marujo, depois do desaparecimento de Pedro, era agora rei de Portugal.

Planeara uma coisa pequena, o talhão doze parecia indicado, longe o suficiente da desmesura da Pena. Elise sugerira cortiça na fachada e acabamentos de alvenaria que recordassem as casas de Boston, pinturas de heras cobrindo as paredes. Gregório, o mestre-de-obras também dera sugestões, mas por si queria um chalé simples, rectangular no piso térreo e cruciforme no primeiro andar, com varandas ao estilo suíço. Logo de manhã, com Gregório, visitara a estrutura, já pronta, Elise, agora condessa d’Edla, no andar de cima,  vazio, rejubilava, antevendo os  acabamentos daquele ninho providencial. Entusiasmados, percorriam o primeiro andar, escolhendo cores e móveis e planeando a futura casa:

-Aqui podia ser o salão, eventualmente com uns troncos de hera em estuque desenhados e nervuras entrelaçando nas cornijas ramagens cobertas de folhas. Que me diz, Fernando? - Elise Hensler, a bem dizer, dividida entre tournées pela América e Europa, nunca desde que Boston a perdera, espalhando graciosidade por Paris e Milão voltara a ter uma casa que chamasse sua, até a de Lisboa era alugada -Acolá, o seu quarto, talvez com motivos árabes… O meu quarto será aqui em frente, e na escadaria…

-Na escadaria, proponho algo mais solene, as armas de Saxe e as de Portugal!- institucional, D. Fernando sempre a sublinhar coração e cérebro, nesta pátria agora sua - Tem ideias para o seu quarto, meu anjo? - de novo casado, o rei parecia vinte anos mais novo, cavaleiro andante atrás de sua donzela. Elise divagava,  pueril e feliz:

-Domingos sugeriu-me rendas nas paredes, sob um fundo rosa, talvez azul, o que lhe parece?

Fernando Saxe-Coburgo não ouvira o final da conversa, de Lisboa chegava agora o secretário, as árvores do Japão chegariam a tempo das plantações, na Primavera estariam adaptadas, Slade inspeccionaria uma a uma.

Sintra regida pela Lua encontrava nova sacerdotisa e seu altar, os troncos de hera na fachada do novo chalé bem podiam simbolizar  Ouro, Prata, Bronze e Ferro, comentara Kessler, ali daria largas ao espírito recolhendo-se com Fernando e suas canções, barítono animador de saraus com amigos, com as suas plantas, o seu piano, um mundo só deles.

Muito sucedera em dez anos desde que Fernando por ela se encantara. Fora em S. Carlos, em 1860, ela graciosa e frágil como pagem no “Baile de Máscaras” de Fraschini. Depois as visitas furtivas e cada vez mais frequentes ao 68 da R. dos Remédios. Pedro, jovem rei, percebera algo de estranho no pai, várias vezes o havia surpreendido chegando tarde ao palácio, qual jovem conquistador. A morte prematura de Pedro precipitou as coisas, ferido e só, apenas encontrava conforto no regaço da Hensler, cada vez mais por Lisboa e afastada das récitas. Disfarçada, chegou a levá-la em viagem como falsa esposa de Kessler, o médico ficara embaraçado mas não pudera dizer não ao amigo. Até que a 10 de Junho de 1869 surpreendeu, casando na capela da infanta Isabel, em Benfica, já Luís reinava. A pedido de Fernando, dias antes Ernesto de Saxe-Coburgo fizera condessa d’Edla a filha de Conrad Hensler, alfaiate de Boston. Nesse mesmo dia, na feteira da Pena, ao plantarem um eucalipto, perenes selaram a aliança dum sentido e tardio amor.

Alheios à corte de Lisboa, na Pena teriam uma corte só deles. Maria Pia com o seu feitio latino nunca a aceitaria como sogra, em S. Carlos de soslaio a olhavam os Pares do Reino, a rainha do palco não queriam  ver no palco rainha, astuta Messalina que por artimanhas levara à certa o rei velho e viúvo. Em Sintra encontrariam paz, entre primaveras floridas e os desenhos de Fernando, na Abegoaria preparariam os  chás, renovariam as plantas, reis da Floresta no altar da Cruz Alta.

-Elise, que me diz se ali puséssemos magnólias? - Fernando contemplava o imenso vale do alto dos rochedos frente à casa. Olhando-o de frente, mãos entrelaçadas, fez-lhe uma festa na testa e sorriu. Mirando de lá o chalé, quase terminado, a certeza duma chegada lhe ficava cada vez mais clara. Era aquele o lugar.


publicado por Fernando Morais Gomes às 09:26

18
Abr 11

Na singela gruta açoitada pelo vento perto dos Capuchos, Frei Honório esperava o fim, seco de carnes, noventa anos já penados. Solitário vinte deles, sábias reflexões deixava escapar em letras que um dia quando a carne consumida fosse pelos vermes deixaria aos homens, testemunho da sua santidade e sacrifício. Sentado na pedra, ornada de musgo e heras, servo entre os servos, curvado pelos anos, escrevia a Deus e aos homens:  

“Pequei. Pequei muito. Em actos e palavras. Vai para dez anos que expio nesta gruta, neste singelo cárcere de minha alma e merecida prisão de meu fraco corpo. Quando a Deus me entreguei, humilde anacoreta, bafejado fui pela graça de perceber que era chegado o momento de mudar a minha peregrinação pelo mundo, que era a  hora de renunciar a tudo e não haveria retorno nessa jornada. Para receber a Deus, forçoso é pagar um soldo e o meu foi este: não mais ter nome, nada possuir, nada desejar senão servir a Deus, esvaziando o coração para nele dar lugar a Cristo. Se ser frade é duro, renunciando ao corpo e à vontade própria, mais difícil é para um simples pecador suportar o suplício dos dias que a um santo suportar o martírio ou a própria morte, pois tal se dá em espaço curto e fugaz. O martírio diário trás as torturas da mente, infortúnio que qualquer homem que o enfrente sem perder a pureza longe não andará das portas do Céu.

E mais o é  quando tem de atravessar a porta negra da alma que é a das tentações da carne e do demónio. Senhor, que por nosso bem mandas as tentações, faz cair sobre este mim os sofrimentos do mundo para poder sentir compaixão dos que se sentem atormentados por  provações. Várias vezes senti o demo rondando, sob forma de lavadeiras de alvas carnes ou  ruborescidas colarejas. Flagelando a carne reprimi a carne, quando não em corpo igualmente me assaltando a tentação em sonhos, enlouquecendo-me e  em desespero me conduzindo ao cadafalso da alma. Ninguém verdadeiramente pode fazer frente às insídias do chifrudo, nem extinguir o fogo incandescente da natureza, se a mercê da graça de Deus não proteger a fraqueza humana. Com o escudo da oração, aceito, Senhor, o flagelo que me enviastes, porque se ele propicia sofrimento  também almeja a salvação, se humilha também exalta, se pode levar à morte também salva, redentora, faz descer aos infernos mas fortalecido de lá sair.

Hoje compreendo que antes de desdenhar dos outros ou com soberba condená-los, é mister com humildade calçar suas sandálias e com elas trilhar os escolhos, para um dia, merecedor, com alegria calçar as do Pescador, protector de almas neste mar encapelado.

Desde que  me enviaste o Diabo e fraco de carne pequei, não mais abandonei este negrume, expiando, orando, só dos animais selvagens e das frágeis plantas fazendo irmãos. Capuchos misericordiosos me alcançam água e pão, mas em jejum expiarei meus pecados.

Aqui terminarei meus dias. Esta singela e nua gruta açoitada pelo vento norte será altar da minha redenção, nela meu corpo à terra tornará pacificada a alma e proclamada a alforria pelo desapego a riquezas e honrarias vãs. Maior honra é ser nobre de alma que tenente de almas perdidas em tempos de usura pelo metal e cobiça de mandar.

Já diversas vezes  aqui vi El-Rei caçando, e calcorreando esta serra. Uma raposa aflita aqui se abrigou um dia destes, acossada, pedindo clemência com os olhos. Acolhi-a, minha irmã da Serra, desatentos, os batedores do rei perderam-lhe o rasto. Várias vezes me visita agora e aqui descansa à noite, segura e cúmplice. A cobiça de El-Rei e dos grandes do Reino afastou-os de Deus, trilhando a estrada do mando e da luxúria. Por mais de uma vez ofereceu agasalho e alimento. Como desconhece o quanto estou agasalhado pelo calor da fé e  plenamente alimentado pela alma!

No dia que por certo marcaste já, Senhor, meu frágil corpo virás colher, aqui repousará até que pó torne a ser, raiz de vida nesta floresta em silêncio. Meu desejo, outro não é senão esse. Nestas serranias de Sintra fui tentado, nelas findarei meus dias em busca da salvação. A grandeza do Destino é feita daquilo de que se abdica e não daquilo que se obtém. Quem viver contente com nada, tudo terá. Infeliz o que julga estar  farto pois um dia terá fome!

Uma coisa aprendi, no eterno renovar dos dias e solitário silêncio das noites: julgamos nascer com duas mãos feitas para agarrar, porém jamais paramos para meditar quão bom seria se servissem sobretudo para abraçar.”

Aos cem anos, partiu enfim. Uma pequena raposa  se abriga às vezes na gruta, eterno refúgio na noite dos séculos.


publicado por Fernando Morais Gomes às 06:20

17
Abr 11

O nº10 do Largo da Abegoaria fora o local acertado. Sem espectáculos por esses dias, seria no salão do Casino Lisbonense que se efectuariam as conferências, Antero, o impulsionador, se encarregara com Batalha Reis de alugar o espaço. A ideia das palestras surgira em reuniões na Rua dos Prazeres, e fora amplamente divulgada no "Revolução de Setembro".A 18 de Maio foi divulgado o manifesto, já antes distribuído em prospectos, e assinado pelos nomes principais. Urgia preparar as consciências para o progresso das sociedades e resultados da ciência, dizia-se. Eça de Queirós, Salomão Saragga, Lobo de Moura, Manuel de Arriaga, José Fontana, o próprio Antero, eram entusiastas. No programa, podia ler-se: "não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser o assunto das nossas constantes meditações."

Herdeiros da Questão Coimbrã, quatro dias apenas depois dos eventos da Comuna, em Paris, desassombrados, os membros do Cenáculo propunham-se acordar Lisboa. No dia da palestra de Antero, antes do início, Oliveira Martins pleiteava com Eça no foyer, repleto de gente, e polícias também:

-Tens toda a razão, José Maria. A arte, nas sociedades, encontra-se ligada ao  seu progresso e decadência. O artista, meu amigo, encontra-se sob  influência do meio, do estado dos espíritos. Hoje acho que a arte deve obedecer às ideias da sociedade conduzindo à harmonização entre ela e os ideais sociais. Isso concilia o determinismo de Taine e o princípio moral de Proudhon, defende o papel social do artista e a utilidade da sua arte. Eça concordava, comentando com um grupo:

-Creio que só o realismo é a base filosófica para as concepções do espírito, na região do belo, do bom e do justo, deixando de ser um simples modo de expor. Isso não é realismo, é o seu falseamento! O realismo é outra coisa, é a negação da arte pela arte. É a abolição da retórica, essa  inchação do período, epilepsia da palavra e congestão dos tropos. O romantismo é a apoteose do sentimento, o realismo é a anatomia do carácter! -o bigode, retorcido, acompanhava o discurso, nada epiléptico ou congestionado…

A imprensa, em particular o “Revolução de Setembro” cobria a palestra de Antero, bastante aguardada, o açoriano dera brado em Coimbra e guardas municipais, alertados da existência de propaganda subversiva pontificavam na assistência. O Marquês de Ávila e Bolama, presidente do ministério mandara observar, um tal Proudhon, até ver, estaria implicado, escrevia um intendente, zeloso, muito ouvira esse nome na sala.

Provocador, Antero atacou como fera em Roma, a assistência fazia silêncio, iria falar sobre a decadência dos povos ibéricos. Eça, a um canto, endireitava o monóculo, atento e mordaz.

-Meus senhores! Muitos se perguntam porque as grandes nações ibéricas enfrentam hoje o crepúsculo da História. Explicações há. A primeira é a Contra-Reforma e a Inquisição, que desvirtuaram a essência do Cristianismo, conduzindo à atrofia da consciência; de seguida, a Monarquia Absoluta que conduz à  ruína das liberdades sociais levando a raça ibérica a uma cega submissão; por fim, o desenvolvimento das conquistas ultramarinas, que exauriram as energias do país, levando à criação de hábitos de grandeza e ociosidade e conduzindo ao esvaziamento de uma nação pequena, substituindo o trabalho agrícola pela procura de riqueza, a disciplina pelo risco, o trabalho pela aventura! - José Fontana, sublinhava com a cabeça, o que era preciso era reagir, atrasado, Teófilo Braga juntava-se a Eça, de pé a um canto. Tomando água, com a assistência em silêncio, Antero continuou:

 -Oponhamos ao catolicismo a ardente afirmação da alma nova, a consciência livre, a filosofia, a ciência e a crença no progresso, na renovação incessante da humanidade pelos recursos inesgotáveis do seu pensamento, sempre inspirado. Oponhamos à monarquia centralizada a federação republicana dos grupos autonómicos, de todas as vontades soberanas, alargando e renovando a vida municipal. À inércia industrial oponhamos a iniciativa do trabalho livre, a indústria do povo, pelo povo, e para o povo, não dirigida e protegida pelo Estado mas espontânea organizada de  maneira solidária e equitativa.

O tom anti-monárquico foi o copo de água entornado, um bruà soou entre alguns. Sendo um casino, os dados estavam lançados, na Brasileira não se falou de outra coisa na manhã seguinte.

 A 5 de Junho Augusto Soromenho ainda discursou sobre a literatura portuguesa, empolgado com Chateaubriand, a 19, Adolfo Coelho arrasou o ensino em Portugal. Quando a fechar Salomão Saragga se preparava para falar sobre a "História Crítica de Jesus", o Governo por portaria mandou encerrar o Casino Lisbonense, proibindo as Conferências e invocando que os conferencistas sustentavam doutrinas contra a religião e as instituições políticas do Estado.

Indignado, nesse mesmo dia Antero redigiu um protesto no café Central, havia ali mão de Castilho, seu inimigo desde Coimbra, por certo. Eça, erguendo a bengala, foi cáustico contra o Governo:  

- Esta foi a primeira vez que a revolução sob a sua forma científica teve em Portugal a palavra. Também com a palavra se dão bengaladas, caro Antero!

A Comuna de Paris não passou do Chiado naquele Verão de 1871, mas as ideias do Progresso sopraram no Bairro Alto, culminando as revoluções entre a Brasileira e a Casa Havaneza, sem sangue derramado ou na força das baionetas mas temperadas por charutos de importação e finos tintos de Colares.

Casino Lisbonense, hoje desaparecido

publicado por Fernando Morais Gomes às 07:20

16
Abr 11

Alfredo Regaleira ganhara as autárquicas de 2017 pelo Partido dos Verdadeiros Sintrenses, criado após o resgate do FMI  de 2011 e formado nas redes sociais. Oriundo duma família abastada, fora administrador de empresas municipais, vereador e suplente na distrital. Depois da inesperada morte de João Xavier, o candidato preferido do partido, o  recurso foi o cinzento tecnocrata, eleito pela margem mínima  presidente da Câmara de Sintra para um mandato de quatro anos.

Era uma pessoa amarga e seca, enfiado em estatísticas, telemóveis e impessoais powerpoints. Raramente visitava as  associações  ou recebia os munícipes, o Orçamento  pautava-se por cortes cegos, ferrenho adepto  do fim do estado social. Os funcionários odiavam-no, mas receavam pronunciar-se. A introdução de controlo da assiduidade a partir da retina, a diminuição dos funcionários para metade, as câmaras de vigilância nos serviços, controladas pela Presidência, aconselhavam prudência. Ivone, a secretária, detestava-o, sempre carrancudo, sorriso de plástico apenas para televisão ver, mal cumprimentava as pessoas. Implicara até com o retrato da filha que tinha na secretária, familiaridades a mais, dizia, mal-humorado. Aos grupos culturais e associações que lhe pediam apoio, despachava sem contemplação, "não há dinheiro, não sou a Santa Casa", respondia, insensível. Até um lancinante pedido dos pais da pequena Sandra para ajudar a um transplante de medula enviara para o Querida Júlia, as pessoas são lamechas, desabafava entediado, haveriam de lançar um peditório. Divorciado e sem filhos, morava na Beloura com Sócrates, um labrador cachorro, e aí se isolava quando se livrava das aborrecidas cerimónias em infantários e lares de idosos, distribuindo beijos a crianças ranhosas e velhas sempre a queixar-se.

Uma noite já tarde e de regresso a casa, passado o Ramalhão, um vulto sumido e esbranquiçado arrastando correntes nos pés, surgiu-lhe à frente do carro. Esfregou os olhos, seria produto de alguma digestão mal feita, pensou. O vulto, translúcido, entrou pelo vidro do carro e sentou-se no banco a seu lado:

-Boa noite Alfredo! -saudou numa voz metalizada. Sou eu, o Mário!

Atónito, reconhecia Mário Rabaçal, seu correligionário político e  antigo administrador da empresa municipal de educação, falecido meses antes num acidente não longe dali.

-Não é possível! Mas tu não morreste? Estive no teu funeral! Que raio…

-Estou morto sim, Alfredo. Mas venho para te avisar que ainda estás a tempo de emendar a mão. Os cortes no leite das escolas, a comida estragada que servíamos nas cantinas, o desfalque na tesouraria, tudo paguei bem caro, errando agora como uma alma penada! -e exibiu um grilhão, pesado, parecia  uma cena de  thriller americano. -Venho avisar-te que ainda esta noite receberás três visitas a que deves estar muito atento.

-Mas…E antes que tivesse tempo de concluir, o banco do lado ficou de novo vazio, eclipsando-se o vulto no éter.

Chegou a casa, bebeu um chá de limão e foi deitar-se. Devia ter sonhado, pensou. Meia hora não era volvida quando uma figura irradiando luz, de casaca e cartola, lhe surgiu no quarto. Sobressaltado, pensava já chamar a Policia quando o vulto o advertiu que não abrisse a boca.

-Boa noite Alfredo Regaleira. Eu sou a Sintra do passado. Levanta-te e acompanha-me!

Mal tivera tempo de reagir e  em pijama, já o vulto o levava voando nos céus de Sintra para logo pousarem no Palácio da Pena. Candelabros com velas profusamente espalhados iluminavam a noite, lá dentro uma orquestra tocava no salão grande, onde vistosas damas e dignitários envergando fardas coloridas deslizavam dançando. Animado, o rei D. Fernando conduzia uma corada cortesã ao som da Marcha Radetsky. Lá em baixo, na vila, carruagens passeavam dandys com casadoiras donzelas, na estação do Larmanjat, saloios com seus jumentos esperavam novos forasteiros para os transportarem ao Lawrence e ao Nunes. Felicidade e harmonia reinavam. Alfredo, absorto, admirava aquele quadro de beleza, Sintra no seu esplendor, romântica e aristocrática. Ia interpelar o espírito, quando de novo se viu  na cama, sentado e baralhado.

Foi à cozinha beber água, apaziguando o torpor em que se achava, minutos depois, encostada ao frigorífico outra figura o aguardava já, um homem de fato escuro, fumando um cigarro e com um jornal debaixo do braço. Conformado, perguntou:

-Suponho que sejas Sintra do presente…

O vulto assentou com a cabeça, e de automóvel o levou por Sintra, deserta à noite, vários anos sem obras lançadas. Num lar de idosos na Portela racionava-se a luz por falta de verba, uma família de desempregados vasculhava caixotes buscando comida. Na Volta do Duche um jovem  fazia carjacking a um incauto turista, logo se pondo em fuga. Encolheu os ombros, suspirando, e pediu que voltassem, esta realidade conhecia ele, mais pelos relatórios que  de perto.

De volta a casa, inquieto e pensativo no sofá da sala, com o labrador aos pés, receava a terceira visita. Das traseiras, minutos depois, surgiu um jovem desdentado, capuz na cabeça, dois piercings no lábio. Olhando-o, com desprezo fez sinal que o seguisse. Acabrunhado, de motorizada foram ver a Sintra do futuro: sem-abrigo aqueciam-se em fogueiras na zona pedonal da Estefânea, na Vila, no sítio da Piriquita surgira uma loja chinesa, apenas sete moradores resistiam, a igreja ruíra. Na Volta do Duche alinhavam-se contentores onde encavalitadas moravam famílias sem tecto depois dos despejos  por si ordenados. A pequena Sandra morrera por falta de transplante, desesperados, os pais não haviam conseguido o dinheiro para a operação. Parando no cemitério do Chão Frio,  o jovem dos piercings apontou-lhe uma lápide grafitada. Aí se lia: “Alfredo Regaleira 1970-2018”,  descontraído um cachorro urinava em cima. Estarreceu, com suores frios.

Mal refeito, acordou na cama, em sobressalto. Abriu os olhos, o labrador que dormitava ergueu-se e lambeu-lhe as mãos, brincalhão. Amanhecia lá fora.

Vestiu-se num ápice, meteu-se no carro e correu para a Câmara. Pelo caminho, sorridente, distribuiu bons dias aos atónitos munícipes, acenando e buzinando, e parou na Odete Florista a comprar um bouquet  para a Ivone, a quem entregou com um beijo na mão;

-Ivone, mande chamar os pais daquela pequena, a Sandra, desmarque todas as reuniões, e convoque o director dos assuntos sociais, é urgente. Ah,  nunca lhe disse que o seu penteado é muito charmoso?

Ivone hesitava entre o boquiaberto e o espantado, derretendo-se dengosa ante o piropo. Correu a dar andamento, o homem tinha-se passado, com certeza.

Daí em diante, as pessoas foram a prioridade de Alfredo Regaleira. Inaugurou o novo hospital, apoiou os artistas do concelho, aboliu o controlo de assiduidade, criou empregos. Foi reeleito duas vezes, sempre com maioria absoluta.

À cabeceira da cama, na casa da Beloura, onde agora a pequena Sandra, curada, brinca com o labrador, está sempre um mágico livro da autoria de Charles Dickens…

publicado por Fernando Morais Gomes às 05:29

15
Abr 11

Fazia tempos que o filho de Jor-El chegara à Terra, único sobrevivente da explosão do planeta Krypton, a nave que o transportara aterrara num sítio chamado Portugal no ano 1989 ET (Era da Terra). Ao contrário de Krypton, este era um planeta verde, dominado por largas porções de água, o pai de Kar-El escolhera-o antes de morrer por seguramente aí  não haver kriptonite, o único obstáculo que poderia enfraquecer e  destruir Kar-El fora do planeta. Nesse local, num berço o encontraram Alice e Jaime, professores e residentes num local chamado Azenhas. Aí cresceu, com os terráqueos, com o nome de Pedro, só aos três anos descobrindo os poderes sobrenaturais que faziam dele um Super- Homem. Um sonho em que o pai lhe aparecera, porém, alertara-o para jamais desvendar a identidade aos terráqueos, e para os perigos da kriptonite.

Já adulto tornou-se repórter no Sintra Canal, usando os poderes sobrenaturais só em prol do bem, como nesse sonho igualmente prometera ao pai. Aí conheceu Luísa, locutora e jornalista, namorada ao fim de algum tempo, e João, o cameraman dos directos, fiéis amigos dentro e fora dos estúdios.

Os poderes sobrenaturais provinham do Sol da Terra, amarelo. O sol de Krypton era vermelho, a diferente frequência electromagnética entre  os sóis fez com que as células de Kar-El fossem carregadas como autênticas baterias vivas, enrijando-lhe os músculos e permitindo-lhe voar graças à diferença de gravidade e dotando-o de super-poderes: visão de raio-X, visão telescópica, super sopro ou sopro de gelo. Discreto repórter durante o dia, sempre que a sua hipersensibilidade detectava anomalias acorria a evitar as catástrofes, impedindo-as ou reduzindo-lhes o impacto, sem que ninguém o houvesse visto como Pedro ou desconfiasse da sua identidade, bombeiros houve que narraram ter algumas vezes observado um pássaro estranho, mas nunca o jovem de fato azul e capa desfraldada se dera a conhecer. Fora ele quem com um só sopro apagara fogos na serra de Sintra, e mais de uma vez desviara ameaçadoras ondas que prenunciavam tsunamis na costa portuguesa. Inclusive uma bomba na Ponte sobre o Tejo neutralizara, avisado pelos apurados sensores.

Sem que suspeitasse, Alex, também repórter no Sintra Canal  há muito o invejava e disputava Luísa, um dia descobriu-lhe a identidade secreta, um copo com o adoptivo pai Jaime e toda a verdade foi desvendada. Bem suspeitara dos desaparecimentos quando menos convinha e da existência duma vida dupla. Para o destruir e conquistar Luísa só para si, urgia porém encontrar kriptonite, o poderoso inimigo do Super-Homem.

A kriptonite era uma rocha formada por fragmentos radioactivos de Krypton, causadora de mutações imprevisíveis a nível físico e mental: podia alterar as emoções do Super-Homem, torná-lo amnésico ou agressivo e fazê-lo perder a vulnerabilidade ao seu contacto. Os efeitos duravam de 24 a 48 horas, o suficiente para  o aniquilar e destruir.

Com a ajuda do Fiolhais, um geólogo amigo, conseguiu localizar um minério semelhante algures nas minas da Panasqueira. Havia porém que montar a cilada que o obrigasse a usar os poderes. Toldado pelo ódio, decidiu armadilhar a barragem de Castelo de Bode. Uma chamada anónima para os jornais anunciava que a 15 de Abril de 2011 ET, pela noite, uma bomba-relógio destruiria a barragem, submergindo as localidades até Lisboa, num Armagedeon de efeitos devastadores.

Guilherme, o director do Sintra Canal enviou Pedro e Luísa a cobrir a situação, no local a Protecção Civil fazia buscas, indicações iam sendo dadas por Alex em chamadas para cabines públicas e a conta-gotas, atraindo os ratos para a ratoeira, seguindo o plano maquiavélico, enquanto o relógio fazia a contagem decrescente para a explosão. No local para fazer a reportagem, o Super-Homem detectou os explosivos, via-os mentalmente, havia que inventar algo e fazer Pedro desaparecer o tempo necessário para salvar a cidade. Lá se iria a reportagem sensação mas um bem maior se salvaria.

Voando célere sobre a barragem, já como Super-Homem, ao visualizar os explosivos, aproximou-se, para destruí-los. Eis senão quando a silhueta de Alex, calvo e de óculos escuros, lhe surgiu por trás, na ponta do paredão:

-Bem vindo Super -Homem. Ou deverei chamar-te Pedro, coleguinha?...

-Alex! Que queres tu fazer? Enlouqueceste?

-Sim, herói de trazer por casa. Enlouqueci ao ponto de te propiciar uma viagem. Mas só de ida! Ah! Ah! Ah!- soltou, dando estridentes gargalhadas abafadas pelo som das descargas da barragem.

-Desiste, vais destruir-te! Vou desactivar os explosivos e nada poderás fazer! É uma loucura!

-Será, super-idiota?- soltando uma risada cínica sacou do bolso um fragmento de kriptonite, levantando-o na direcção do Super-Homem. Surpreso primeiro, este  de imediato  ficou com as pernas dormentes e a visão distorcida, e, cambaleante, teve de se agarrar ao paredão para não cair desamparado. Alex, desfrutando a cena, provocava:

-Então, Super-Homem? Porque não salvas o mundo agora, tens dores de cabeça? É o teu fim, fanfarrão, a Luísa será minha e não de nenhum pássaro com colants idiotas!

Já se preparava para empurrar o fragilizado herói quando por trás lhe surgiu Luísa:

-Alex! Deixa-o! Não vales nada! Nunca me terás, e agora ainda menos!

Ao vê-la, Alex mudou o fácies, ela era tudo para ele, paixão de adolescência nunca correspondida:

-Luísa, eu amo-te. Só eu te posso fazer feliz!- Alex, suplicante, ensaiava abraçá-la, por ela havia engendrado tudo aquilo.

-Enlouqueceste de vez, Alex?- Luísa repeliu-o com um empurrão, ao empurrá-lo, ele desamparou-se e caiu gritando do alto do paredão, levando consigo o fragmento de kriptonite. Recuperando as forças, o Super Homem lançou-se atrás dele, super-sónico, salvando-o da morte certa, logo voando a neutralizar os explosivos no último segundo. Deitando um olhar cúmplice a Luísa, que nele não reconheceu Pedro, sumiu, Lisboa estava salva, havia que voltar a ser jornalista, para todos os efeitos retido na casa de banho, indisposto.

Mais tarde, na redacção do Sintra Canal, Guilherme saudava Pedro e Luísa pela reportagem, João filmara tudo, um “furo”, passara até na CNN. Pena a prisão de Alex, até parecia atinado. Revendo as imagens, comentava com os dois repórteres:

-Grande Super-Homem! Enquanto estiver por perto a cidade pode dormir descansada. Nada nem ninguém nos pode fazer mal!

Da sala da régie interrompiam entretanto, havia que emitir em directo uma conferência de imprensa, os tipos do FMI iam anunciar as medidas  do resgate de Portugal. Guilherme, mudando a expressão, encolheu os ombros, conformado:

-Já falei de mais. Eis algo que nem o Super-Homem pode resolver…


publicado por Fernando Morais Gomes às 02:09

14
Abr 11

Uma vez mais, como todos os sábados, Alexandre e Tiago saíam para o passeio pela Serra, pedonal patrulha a carregar baterias. O ponto de encontro era no Café Paris, roupa fresca, botas  para o circuito, duas horas até à Azóia. Finalistas de História na Clássica, sábados eram  momento de evasão duma semana de cidade, de trânsito e de linha de Sintra.

 Naquele dia, já perto da Penha Verde, desviando-se dum carro fora de mão, Alexandre tropeçou rebolando alguns metros pela ravina parando num tojo de heras, meio escondido.

-Tudo bem contigo Alexandre? – Tiago, que seguia à frente, mal se apercebeu da queda do amigo tal a rapidez e correu a ajudá-lo.

-Grande safardana! Viste a matrícula do tipo? –levantando-se, irritado e dorido, Alexandre  sacudiu as folhas secas que se lhe agarraram às calças.

-Não, foi muito em cima da curva. Algum paspalhão que tirou a carta na farinha Amparo…

Alexandre,  acto contínuo, tropeçou num ferro saliente disfarçado entre as ervas, uma  espécie de pega encrostada numa grossa pedra  que ameaçava tombar. Afastou as folhas, e revolvendo a terra, descortinou o que parecia uma porta ou uma entrada:

-Que é isto? Parece a tampa de uma fossa!

-Não sei…vou puxar….Ajuda aí!

Aberta a tampa, de imediato um enorme sardão verde emergiu do escuro, escapando-se assustado entre as pernas de Tiago e deixando a descoberto um túnel escuro, estreito e intrigante.

-Que é isto? Parece uma gruta... - aquele sábado prometia ser o dia de todos os insólitos.

-Deixa-me espreitar…- Tiago, atraído pela curiosidade explorava o seu lado Indiana Jones-  tens aí um isqueiro?

Guiados pela pequena chama, entraram, o túnel parecia comprido, exalando um cheiro a enxofre. Vinte metros à frente, um mosaico escurecido e tapado pelo musgo ilustrava o que parecia uma cabra com asas num corpo de humano, meio homem meio mulher.

-Que coisa  mais estranha! Que será isto aqui?

-Tem umas letras  em baixo, mas é um dialecto esquisito. A  imagem não me é estranha, já vi isto num lado qualquer…-comentou Alexandre, intrigado. A um estalar de dedos logo a memória se lhe acendeu:

-Já sei! Vi uma imagem parecida com esta num filme do canal História. É uma representação do Diabo, tal como era visto na Idade Média. Já ouviste falar em Baphomet? É assim que os livros o representam, pelo menos o Eliphas Levi, não leste o José Mattoso?

Alexandre passou a explicar, lembrava agora as aulas de Medieval:

-A história do Baphomet está relacionada com a Ordem dos Templários. Uma das razões para Filipe o Belo extinguir a Ordem, em 1307, foi por adorarem o diabo representado por uma cabeça com chifres a que   chamavam Baphomet, bem como por cuspirem na cruz, e terem práticas homossexuais, dizia-se. Aliás é por causa dessa figura que ainda hoje se fala em bode expiatório, quando se quer desculpa para algo sem razão de ser

-Mas qual a razão da imagem neste local?..-questionou Tiago. Queres andar mais para a frente?

Alexandre, interessado em esoterismo, ofegante e caminhando na escuridão, ia narrando o que sabia da perturbante figura:

-O símbolo do Baphomet é fálico, possui seios de mulher e o pénis é  representado por um caduceu, estás a ver aqui. É  um tipo de simbologia que aparece frequentemente na alquimia.

O túnel parecia infinito e o isqueiro já fraquejava. A certo ponto, decidiram voltar para trás, nada mais parecia haver ali. Nem cinco metros tinham andado, quando uma figura de barba grisalha  e capa branca, com uma cruz obnubilada ao centro, vinda não se sabe de onde se lhes deparou, travando a retirada.

-Quem é você? - gaguejou Alexandre, incrédulo, pensando estar a viver um inesperado filme de aventuras.

-Quem ousa penetrar no Reino do Nosso Senhor Baphomet?- trovejou o intruso, parecia um cavaleiro, irritado e com os olhos faíscando, erguendo a espada na sua direcção.

Os dois ficaram estarrecidos. Reino de Baphomet?

A figura esticou a mão e mandou-os seguir à frente dele. Contrariados, mas sem reacção e atónitos, foram conduzidos a uma cripta onde, ao centro, duas imponentes colunas em pedra sobressaíam cobertas por um tojo de heras, um archote iluminava tenuemente, o aspecto era de há muito estar abandonado.

-Nosso amo Baphomet erguerá o seu chicote para vos castigar, intrusos! -continuou a figura, ameaçadora.

Vinda de cima, a súbita voz de uma imagem meio holográfica e igual à do mosaico falou aos  incautos passeantes de sábado:

-Estrangeiros, como ousaram entrar no Reino de Baal?- trovejou a aparição. Por esta impertinência, acabam de atrair a fúria de Baphomet!- e sem os deixar falar, lançou-lhes uma maldição:

Por esta ousadia, sereis castigados, e sobre vossa terra,  noite e morte espalharão seus frutos. Virão dez anos de cataclismos posto o que  os Companheiros de Baal sairão da  caverna e dominarão triunfantes!  E esfumou-se, tal como aparecera.

Já o obediente guardião se apressava a pôr termo aos dois a golpe de lâmina, quando um vulto alto e esguio surgiu dum corredor lateral, num traje medieval, de barba escura e espada na mão:

 -Em sentido,  infame! -gritou, na direcção do guerreiro. E manobrando a espada, sem que o outro surpreso pudesse reagir, cortou-lhe cerce e dum só golpe a cabeça hirsuta. Os dois amigos mal acreditavam no que estavam a assistir, ignorando quando acordariam do pesadelo.

De espada desembainhada, virou-se na direcção dos dois, e já eles pensavam ser o fim dos seus dias quando fez sinal para que ficassem tranquilos.

-Não temais, jovens. Eu sou D. João de Castro, vice-rei da Índia e  senhor da  Quinta da Penha Verde! -anunciou, com ar teatral, deixando os rapazes ainda mais atónitos. -Quando voltei do Oriente, onde servi nosso rei  D. Manuel, trouxe comigo diversos artefactos oferecidos pelo rei de Bisnaga. Só anos depois descobri entre eles o pentagrama de Baphomet, que, em contacto com o Sol, acordou o chifrudo do sono em que repousava. Foi assim que o descobri em tempos, fantasma em meus domínios -explicou, conformado.

-D.João de Castro? M..ma..mas o senhor está morto há muito! -gaguejou Tiago, cada vez mais baralhado.

-Não haja perguntas onde não pode haver respostas…- atalhou, enigmático, guardando a espada e sumindo na penumbra do túnel, na cripta só o silêncio e o cheiro a enxofre sobravam depois daquelas cenas inacreditáveis.

Alexandre e Tiago, pálidos de tanta emoção,  correram para o exterior, quase cegando ao  súbito contacto com a claridade da serra, galgando a estrada, sem olhar para trás, lívidos correram até poder deixando na neblina silenciosa a quinta dum vice-rei  que ali penava  lutando contra o Mal. Já na Adega das Caves, pediram whiskies duplos, que emborcaram dum  trago. Nos túneis da Penha Verde, o Reino do Baphomet voltava a ficar silencioso. Até quando?

                

publicado por Fernando Morais Gomes às 09:01

13
Abr 11

Julho de 1966.Mais uma temporada em Galamares, três horas desde Lisboa, previsível Verão para idas a banhos com toldo ao mês na Praia das Maçãs. No café do Alcino, voltavam as tertúlias ao serão, os mais novos deambulando entre os matraquilhos ao “perde paga” e a jukebox que lá levava os sons de fora, para gáudio dos mais novos: the Animals, Bob Dylan, The Beatles, Neil Young.

Ao Alcino, magro, óculos grossos, dono da esplanada, nada escapava. Além da pensão que explorava no anexo do café, vendia bebidas no Salão em dias de cinema, nesse ano de Mundial apostara mesmo numa televisão, das primeiras em Galamares, onde a troco de módicos dez tostões se poderia aplaudir ao vivo a magia do Pantera Negra e a epopeia dos magriços que gloriosos  infligiriam novas Aljubarrotas, rematando com o pé que lhes viesse mais à mão. A ligação à Eurovisão nem sempre era fácil, mas por milagre lá surgia, saudada por palmas de alívio.

Como em muitos verões de casa da Sanfanha, José Gomes Ferreira lá poisava, para o seu café e passeio matinal, apreciando o fresco da esplanada, sempre escrevinhando nos toalhetes de papel. O Mário Dionísio agora já não vinha, deixara a casa do Zé da Quinta, no Torrado. Terminara mais umas legendas para a Tóbis, a Imitação dos Dias saíra do prelo recentemente, atento, ia acrescentando poemas novos ao seu diário em verso, militante poeta fixado no futuro.

Galamares era um pequeno mundo. No salão, provisório cinema aos fins de de semana, a cinco escudos dois filmes, a solene abertura dos filmes Castello Lopes convidava ao silêncio sepulcral que antecedia a magia do Technicolor. Lá passaram o Spartacus, o Ben-Hur, os 12 Indomáveis Patifes, o Cantiflas ou o Fernandel, no final comiam-se nozes douradas na Leopoldina, guloso e secreto poema ao açúcar. Tudo corria sem pressas. Os mais novos apanhavam pirilampos à noite e pássaros de dia, sazonais vítimas de traquinas  predadores de calções alternando entre  a fisga certeira  e o visco traiçoeiro. E eram os rajás de pau, os palinos, a colecção de cromos. Um microcosmos de senhores doutores e seus meninos, gentes do campo e veraneantes sazonais num lugarejo ladeando a estrada com uma miríade de pequenas pensões e quartos alugados, a apanhar os “ares” de Galamares que os médicos aconselhavam como receita.

José Gomes tinha por perto o Rui Grácio, e o Keil do Amaral, no Banzão. O Salazar ainda mexia, a águas no Vimeiro, por ora tempo de esquecer a política, saboreando o Verão, as tardes descansando no «hamac» de lona preso à árvore e a ler na casa da Sanfanha.

O Café do Alcino era, porém, o local da peregrinação diária, depois do almoço e depois do jantar, para beber café e conversar, enquanto os mais novos brincavam saltando o muro, por vezes fazendo apostas sobre quem adivinharia a marca do carro que primeiro surgisse na curva.

Naquela manhã, José Gomes chegou sozinho, a Mimisa serviu-lhe a bica na esplanada, deixando-o a observar as andorinhas no alpendre recuado, nos ninhos novas crias famintas reclamavam a comida que esvoaçantes mães traziam, num incessante peregrinar para cá e para lá. Na esplanada, a pequena Maria, filha do dr. Brandeiro, também ele veraneante, brincava com um hulla-hoop da moda, aquele senhor de cabelo comprido e esbranquiçado a escrever na mesa, em silêncio, despertou-lhe a atenção. Sentindo-se observado, o poeta falou-lhe, chamando-a:

-Olá!.... Como te chamas?

-Maria- respondeu, inocente, logo satisfazendo a curiosidade :- o que está a fazer? Os trabalhos da escola?

Homem de letras, porém já não dessas, sorriu, mas não desarmou:

-Sim, estou a fazer os trabalhos… mas vai levar muito tempo a acabar, o professor quer muitas letras, senão castiga…

Maria aproximou-se, do outro lado da estrada a mãe comprava alfaces ao azeiteiro ambulante que semanalmente batia as casas dos veraneantes a fazer negócio, a folha tinha gatafunhadas umas letras que não se entendiam, pareciam desenhos:

-Eu já sei a tabuada dos três…- vaidosa, confessou, abrindo três pequenos dedos a exemplificar.

José chamou a Mimisa e pediu-lhe um chupa, de morango, a mãe chegando das compras advertia-a que não incomodasse o senhor.

-Não faz mal….-amenizou - olha, estás a ver os meus trabalhos? Acho que vou fazer outros, de novo. Toma, ofereço-te, leva estes, é uma lembrança minha…

Maria levou o toalhete esbranquiçado e saiu, pela mão da mãe. Depois de pagar, José Gomes Ferreira continuou o seu passeio, o ar fresco das Cavalhadas pela manhã abriria o apetite para o almoço, como era domingo convidara o Lopes-Graça.

Já em casa, na Quinta do Cosme, Maria olhou o papel e guardou-o numa caixinha de madeira, dobrado, o eléctrico para a praia estava a passar e havia que despachar-se, o balde e a pá para as construções na areia já estavam no saco.

Vários sóis e luas passaram, a sépia virou cor, as televisões ganharam  canais, os toldos ao mês mudaram-se para o sul, substituídos por surfistas louros e meninas com telemóveis coloridos. Maria cresceu, tornou-se médica, e já adulta descobriu pela leitura a obra do senhor que um dia lhe pagara um chupa e dera a folha com os trabalhos de casa. Num dia de limpezas, no fundo de um baú guardado no sótão da velha casa encontrou a caixa com a folha, amarelecida, sorrindo, com emoção leu o conteúdo:

Entrei no café com um rio na algibeira

e pu-lo no chão

a vê-lo correr

da imaginação

A seguir, tirei do bolso do colete

nuvens e estrelas

e estendi um tapete

de flores

a concebê-las


publicado por Fernando Morais Gomes às 09:15

12
Abr 11

Ruidosos, os gregos não se calavam desde que o avião saíra de Lisboa, a maioria, de Salónica, viera a um encontro de jovens, foi um alívio a chegada a Atenas.

Com o subsídio desse ano, Pedro e Teresa decidiram-se por um cruzeiro nas ilhas gregas, apelativos flyers com imagens de águas azul turquesa e sol regenerador, decidiram-lhes a pausa que amenizaria um difícil ano na vida conjugal. Desenganada pelo obstetra quanto a vir a ter filhos, depois de um aborto de risco, a viagem era o bálsamo ideal para elevar o astral e trazer solidez ao casamento, agora periclitante, pela rotina instalada que a chegada desse filho quebraria. Três dias em Atenas e embarque no Triton, para uma semana de sonho e evasão.

Atenas tinha uma luz forte, mediterrânica, a crise passava por aqui, via-se pelos cartazes de apartamentos para vender e pelo comércio anémico na outrora trepidante Praça do Syntagma. A contestação sentia-se nas conversas de café e nos grafittis nas paredes, contra o tenebroso FMI, exorcizado carrasco dos gregos. Pedro e Teresa queriam abstrair de problemas, centraram-se nas pequenas férias e assim subiram à Acrópole e tomaram sol e café turco nas esplanadas da Plaka, invariavelmente animadas pelo som do santouri ou música do Peloponeso. Teresa conservava um sorriso tristonho, órfã dos filhos de que não seria mãe, Afrodite das Mercês cortejada pelo seu Adónis, belo ainda, como nos tempos do liceu, mas já com uma ligeira barriga, reforçada pela cerveja…

Três dias depois, sob um azul olímpico, entre a parafernália de paquetes que quais cachalotes adornavam o Pireu, lá embarcaram no Triton. Velhinhas americanas, empresários argentinos, alemães e espanhóis, até um grupo de Gondomar, a Babel flutuante  lá arrancou com três mil almas para a sua odisseia sem Ulisses e se possível sem Ciclope ou Poseídon. As águas do Egeu prenunciavam-se calmas, a convidar a piscina e gin tonic ao fim da tarde, tempo para um doméstico Titanic, sem naufrágio claro, que não estava no bilhete….

A bordo a vida era suave, condomínio de férias, trabalho apenas com as trocas de roupa: de manhã, piscina e sol, pela tarde, idas a terra, grutas e compras, para Pedro umas fresquinhas na esplanada mais perto, Agamenón e Péricles despachados para o Canal História no regresso; à noite as soirées dançantes e o cancan no palco central, onde generosos criados distribuíam  caviar ao som de Tom Jones e Sinatra.

Antes de Rhodes, a ilha de Mykonos. Depois de uns sustos com ondulação atrevida que aliviara a alguns japoneses o almoço pelo convés do navio, a visita, três horas em terra. Mykonos foi o local da batalha entre Zeus e os Gigantes e recebeu nome do filho de Apolo, despejava um guia grego num portunhol razoável. Teresa, enjoada preferiu ficar a bordo, só Pedro com a inseparável Canon decidiu baixar a terra. Na falta de cais de atracagem, o transbordo era feito em lanchas, em grupos de vinte, duas faziam o vaivém para a ilha branca, recortada por moinhos e apinhada de estivais alemães e dolentes pelicanos. Ao descer para a lancha, uma loura, vinte anos, temendo tombar, agarrou a mão de Pedro, que a segurou, forte e quente. Agradeceu, já sentada, cordial apresentou-se:

-Hi, i’m Sandy. From Chicago, Illinois.

-Hi. I’m from Portugal. Pedro- saudou, despertado pelo calor da mão quente e olhos azuis celestes. –Now you’re save!

A conversa ficou por ali, em terra dispersaram-se, trocando olhares, e erraram as três horas de soltura entre os bazares e cafés onde sempre serviam ouzo, anizado inimigo de fígados mais sensíveis. No regresso a bordo não a tornou a ver, não seguiu no mesmo grupo. Na cabine, Teresa, melancólica, ouvia música, apetecera isolar-se. Pedro beijou-a e recostou-se na cama, pensando na americana. Estaria sozinha? Seria solteira?

À noite, azul e branca, cores gregas e a exigir indumentária nesses tons, foi o jantar de gala, com comandante e discurso, e a orquestra fluindo, como nos filmes, pensava Pedro. Teresa recolheu cedo, com enxaqueca, ele, respirando o ambiente, selecto e festivo, saiu até ao convés, ao fundo pequenas luzes já denunciavam Rhodes, etapa da manhã seguinte. O céu estava estrelado e limpo. Respirando o ar quente e salgado, suspirou, fumando um cigarro, as coisas com Teresa haveriam de melhorar, uma adopção, quem sabe, ou outra opinião, talvez o obstetra se enganasse. Não longe da proa, pressentiu um vulto de mulher, vestida para festa. Loura, alta, ao virar-se reconheceu a americana da tarde, vistosa, um rimmel que lhe salientava o azul celeste dos olhos, perfume sensual, qual sereia invasora e chamativa.

-Pedro!- chamou alegre, pousando a flûte. -Grande noite, não acha? São noites assim que dão sentido ao amor, à liberdade…

-Sim…- Pedro concordava, apesar das férias o ar taciturno e absorto de Teresa ainda não propiciara grandes momentos entre eles, desde o aborto que não faziam amor, receosos. –Já viu lá ao fundo o farol de….

Antes que concluísse, os lábios dela colavam-se aos seus e o corpo dela febril invadia-o, felino e ofegante, amazona dos mares capturando um ocasional Ulisses, apartado da chorosa Penélope, qual Circe, mágica e envolvente. Resguardados pela noite rasgando as ondas, amaram-se, irracionais e suados, longe de tudo e onde tudo é possível. Terminado, ela colocou o dedo no lábio e molhado tocou-o no dele, sumindo como surgira, escapadela consumada em reinos de Poséidon.

Nos dias seguintes, Rhodes pareceu-lhe fabuloso, Kusadasi, na costa turca, exótico ninho de piratas, excitado, Pedro a todos saudava, a bordo e em terra. Teresa, na cabine, continuava abúlica e distante.

No último dia, já com o Triton de regresso a Atenas, levou-a ao convés, depois da ceia, detendo-se perto do local onde dois dias antes se envolvera enlouquecido com a etérea Sandy. Agarrando a mão de Teresa, beijou-a, os lábios e a testa, sacando uma flor sorrupiada no jantar de gala, afagou-lhe o cabelo, e olhou-a nos olhos, humedecidos:

-Amor, os médicos têm manuais, mas cabe-nos provar-lhes estarem errados. Vamos tentar…?

Teresa sorriu, hesitando, o temor já cedendo à esperança. O intenso brilho da lua, cheia e magnetizante, lançou-a nos braços de Pedro, apaixonada e rendida, o barco do amor, infalível testemunha de paixões dolente rasgava a noite, logo o dia raiaria renovado e esperançoso.

                                                           


publicado por Fernando Morais Gomes às 09:43

11
Abr 11

No café do Horácio discutia-se abertamente as eleições e a vinda do FMI, a palavra mais gasta do ano, ainda nem chegara. Sondagens, opiniões antagónicas sobre vencedores, o Pacheco da peixaria pouco convicto da utilidade destas na actual conjuntura:

-Isto com eleições ou sem elas, quem governa é o FMI, escusavam de  gastar dinheiro ao país! Para estes tipos uma corda ao pescoço ainda era pouco!

-Mas ainda assim o melhor são as eleições. Quem o povo quiser que descalce a bota! - o Chico da barbearia era pela ida às urnas, votara  recentemente no Bruno Carvalho nas eleições do Sporting:

-Quem o povo quiser…não é bem assim, amigo Chico. O povo do Sporting queria outro presidente e veja lá se ganhou…

-Efectivamente….a brigada do reumático blindou os estatutos, é o que é…- concedeu, não gostava do Godinho Lopes.

-O problema é que a democracia se esgota na letra e na semântica das formas, mas não nos meios de lá chegar! -interrompeu o professor Lopes, docente de Matemática no liceu da Portela e estudioso de sistemas eleitorais.

 Apanhado pela erudição, o Chico fazia uma careta perguntando-se o que seria a tal semântica, Lopes, vendo assistência, pediu mais uma bica e expôs os seus pontos de vista:

-É como digo, o sistema “um homem, um voto” apesar de tido como o mais representativo está paradoxalmente longe de o ser. E casos há em que provavelmente acabamos por eleger o candidato menos votado!

-Como assim? - o Horácio, curioso, queria ouvir mais.

-Vejam o seguinte exemplo - continuou, escrevendo num toalhete do café - suponham que para primeiro-ministro concorrem o Sócrates, o Passos Coelho e o Paulo Portas e que votam, por exemplo, 12O pessoas. Cada votante tem uma hierarquia de preferências entre eles, do 1º para o 3º. Suponhamos que as ordens de preferência são as seguintes: para 5 pessoas, a preferência vai para a sequência Sócrates-Portas-Passos, para 4 delas Passos-Portas-Sócrates, para outras 3 Portas-Passos-Sócrates. De acordo com a regra “um homem, um voto”, cada um vota apenas numa preferência e aí o Sócrates será eleito, com 42%, certo?

-Certo! Acho eu, pois….- o Horácio coçava a cabeça, concordava mas desde que não fosse o Sócrates a ganhar.

-Mas e se o Passos Coelho retirar a candidatura? O conceito de justiça eleitoral levaria a pensar que devia ganhar o Sócrates. Nada mais errado! Uma simples contagem mostra que retirando-se o Passos, Portas ganha ao Sócrates por 7O-50 porque o Sócrates é a primeira escolha para 5O pessoas mas a última para 7O. É eleito o Portas! Mais: em eleições só entre 2 candidatos, Portas venceria Passos por 80-40 e o Passos venceria o Sócrates por 70-50. Os resultados mostram que os eleitores vêm Portas como o melhor candidato, pois ganha a todos isoladamente e Sócrates o pior, pois perde em comparação com todos os outros. Ironia do destino: no sistema actual seria eleito Sócrates e Portas ficaria em terceiro lugar. O resultado colectivo foi o menos desejado pela maioria dos eleitores. Isto resulta da forma de contar os votos. O sistema “um homem, um voto” não reflecte  as opções do eleitorado!

-Estou a ver…é como no Sporting!- ripostou o Chico da barbearia, com ar de entendido

-Mais ou menos….-sorriu o professor, sem o querer desmentir, a cabeça do Chico já estava confusa. Era preciso é que não fosse o Sócrates:

 -Esse, nem que a vaca tussa! -elevava a voz, irritado. O professor, ante os inesperados alunos concluiu, rasurando o toalhete:

-O ideal seria que cada votante ordenasse os candidatos por ordem de preferência. Se há 3 candidatos, o primeiro, por exemplo, receberia 2 pontos, o segundo 1 e o terceiro 0. No final somavam-se os pontos e ganhava quem tivesse mais. É mais justo, pois reflecte todas as opções dos eleitores e não apenas uma, a primeira. No exemplo dado, Portas teria 150 pontos, Passos 110 e Sócrates 100. Cambalhota: o vencedor, pelo outro sistema, agora ficava  em último!

-E já que se fala em democracia representativa, nada como aproximar os resultados das opções das pessoas - concordava o Horácio.

-No fundo, é o sistema do Festival da Canção… - rematava professoral o Chico.

Duma mesa do canto, o velho Albuquerque, anarquista empedernido, metendo-se na conversa, rematou, sentenciando:

-Escrevam mas é o que lhe digo: Se o voto é a arma do povo, não votem, que ficam desarmados! O resultado das eleições vai ser FMI- 120. Mais o juro de 5%. Ganham o primeiro, o segundo e o terceiro, e até o Euromilhões….

-Pois…-suspirava o professor Lopes -aí o problema é que eles já são donos da urna…


publicado por Fernando Morais Gomes às 11:19

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