por F. Morais Gomes

04
Mai 11

Naquele Verão de 1948, o Hotel Central, em Sintra, recebia por uns dias Lionel Armstrong, professor de arqueologia na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Regressado da Palestina, aí milícias do Irgun e da Haganah provocavam mossa entre os árabes e a 14 de Maio, a Agência Judaica proclamara a independência de Israel, liderado por Ben Gourion. Lionel, providencial, saíra nesse mesmo dia, via Chipre, com destino à América, munido dum precioso lote de documentos antigos. A necessidade de um barco de ligação entre Lisboa e Nova Iorque trouxera-o a Portugal por uns dias, e preferindo um sítio calmo, alojou-se em Sintra, no Hotel Central.

Arqueólogo, em Jerusalém soubera que um grupo de pastores havia localizado em cavernas de Quoran, perto do Mar Morto, jarros cerâmicos contendo pequenos rolos com importantes textos. Inicialmente os pastores tentaram sem sucesso vender o material em Belém e na Jordânia, mas mais tarde acabaram vendendo uma parte a Athanasius Samuel, bispo no mosteiro ortodoxo sírio de São Marcos, em Jerusalém, e seu velho conhecido. Na sua viagem à Palestina, conturbada por esses dias, dele obteve alguns desses pergaminhos, sem datação certa e por decifrar. Sabendo da sua presença em Sintra em trânsito para a América, Alves Pereira, um colega arqueólogo português visitou-o no Hotel Central, o Diário de Notícias noticiara a chegada do académico a Lisboa,era uma rara oportunidade para o conhecer e trocar impressões.

Lionel ficou satisfeito com a visita. Félix Alves Pereira enviara-lhe cartas em tempo, sobre o seu trabalho incidindo sobre a presença romana em Portugal. Depois de alguma cerimónia inicial, falou-lhe dos documentos do bispo, mostrando-os, eram pequenos e quase se desfaziam, desde que chegara enfiara-se no hotel, analisando-os e tirando notas:

-Prazer em conhecê-lo, colega, o seu país é muito bonito e muito contrastante. Imagine que em Lisboa estão mais de trinta graus e aqui, marvelous!, apenas dezanove. A vossa Sintra é a Suíça de Portugal!

Alves Pereira ironizou, sorrindo:

-Sabe, professor, nós por cá costumamos dizer: se tem saudades do Inverno, passe o Verão em Sintra…

O americano, sentindo-se familiarizado, expandiu-se com o colega, falando das suas pesquisas, e mostrando-lhe as pequenas tiras de papel amarelecido:

-Veja, colega, estes documentos parece terem sido escritos entre o século III a.C. e o primeiro século depois de Cristo em hebraico, aramaico e grego, em minha opinião mil anos mais antigos que os registos do Velho Testamento. E deste lote, incompleto aliás, há pelo menos um fragmento de todos os livros das escrituras, excepto o livro de Ester. Há fragmentos bíblicos, escritos apócrifos, calendários etc.

O português olhava como se lhe mostrassem o original dos dez mandamentos. Armstrong, tinha uma teoria na qual vinha trabalhando desde que possuía os manuscritos:

-A autoria destes textos é desconhecida. Com base em referências que cruzei com outros documentos, ela é atribuída aos essénios, uma seita judaica que viveu na região do Mar Morto. A comunidade de Quoran era formada sobretudo por homens, que viviam voluntariamente no deserto, tinham hábitos rigorosos e esperavam a vinda de um Messias.

-Um Messias? Quer dizer que….

-Antes desta descoberta, os manuscritos mais antigos das escrituras Hebraicas datavam do nono e décimo século da era cristã. Há fragmentos do livro do Êxodo e de Samuel com diferenças significativas das cópias modernas. Nem todos os rolos são idênticos ao texto massorético na grafia e na fraseologia, alguns aproximam-se mais da septuaginta grega. Mas descobri que não havia apenas uma forma de judaísmo no tempo de Jesus. Os essénios tinham tradições diferentes dos fariseus ou dos saduceus. Diversos fragmentos mencionam um Messias, cuja vinda era encarada por eles como iminente. E contam algo interessante e bastante perturbador…

Aqui o professor fez uma pausa, bebendo um copo de água, e fechando a janela do quarto, da serra vinha uma aragem fria, apesar do Verão:

-Com base nestes pergaminhos, por volta do ano do nascimento de Jesus faleceu um suposto Messias, chamado Menahem, o Essénio, em circunstâncias semelhantes àquelas em que o próprio Jesus mais tarde viria a morrer. Este Menahem era líder de uma seita judaica de Quoran, tentou liderar uma revolta contra os Romanos, mas acabou morto por eles, que proibiram que o seu corpo fosse enterrado. Este Menahem teria falecido por volta de 4 a.C.

-Pode então concluir-se que Jesus de Nazaré pode ter sido um falsário?

-Ou ser este Menahem o verdadeiro Messias, trinta anos antes de Jesus…

Esta hipótese deixou os dois homens em silêncio, suspensos dos minúsculos e equívocos pergaminhos descobertos por pastores de cabras em Quoran.

Dias mais tarde, o barco do professor Armstrong finalmente partiu, com destino a Filadélfia, à despedida, Alves Pereira pediu que desse notícias sobre as importantes investigações que iria continuar.

Um mês depois, tomando café em Lisboa, na esplanada da Pastelaria Suíça, uma notícia no jornal deixava o arqueólogo apreensivo:

Apareceu morto na sua casa de Filadélfia, o conhecido arqueólogo e académico prof. Lionel Armstrong. Segundo a polícia, terá sido abatido por ladrões durante um assalto à sua residência, donde valiosos documentos foram levados. O professor Armstrong preparava um livro sobre tribos antigas de Israel”

 


publicado por Fernando Morais Gomes às 11:28

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