1964 estava a ser tranquilo, mas com algumas peripécias. Em Janeiro os Diamantes Negros haviam-se apresentado na Sociedade União Sintrense e ocorrera o assalto ao Capote, em boa hora o Ventura, o guarda-nocturno, deitara a mão ao Parafuso e ao Portugal Nunes, os azarados meliantes. Apesar das notícias de que nas mercearias rareava o fiel amigo, o Hóckey continuava a brilhar, a tripulação do Springfield da 6ª esquadra do Mediterrâneo jogara futebol com o Sintrense, César Torres vencera o Rallye das Camélias e no Mucifal, os Limpos, David Tomás e Miguel Lavrador uma vez mais animavam as festas de Carnaval . Mas faltava o evento do ano, a visita dos príncipes do Mónaco em Abril.
Em casa de Graciete, mulher do provedor da Santa Casa ia tudo num virote, havia que arranjar um vestido deslumbrante para a recepção que Jorge de Melo ofereceria a Rainier e Grace na Quinta da Ribafria, já tinham convite.
A D. Genoveva, modista de muitos anos, já vira todos os modelos da Flama, até um Paris Match comprou para ver as toilettes, a D. Graciete tinha de brilhar entre as senhoras, hesitava se usaria chapéu ou não, saltos altos tinha de ser, a Grace era alta e não podia destoar. Aliás, também viera convite para o casamento do ano, em Julho casariam em S.Pedro o Duque Amadeo d’Aosta e Claude de França, era altura de renovar guarda-roupa, nunca por nunca repetir um vestido ou chapéu.
Todo o mês de Abril foi passado em provas, a Genoveva cortava e cozia, com folhos não, que é demodé, ombro descoberto também não, é um almoço e pouco próprio, pela costureira espiava o que as outras senhoras usariam, não corresse o risco de alguém ir de igual. O marido ia dando informações sobre convites e horários, para ele era mais simples, o asas de grilo que usava nos casamentos servia, lenço de seda azul no casaco e chapéu, viriam ministros e diplomatas, e, glória das glórias, repórteres do Paris Match, ocasião única de ombrear com o jet-set europeu, a Dadinha Mayer iria roer-se de inveja, não conseguira convite.
A 16 de Abril, o dia aprazado, lá surgiu o Rolls-Royce com os príncipes do Mónaco. O visconde de Asseca fez as honras da casa na Vila, ofereceu camélias a Grace e uma faiança a Rainier e visitaram o Paço, o povo, nas bermas batia palmas à Cinderela que seis anos antes apenas trocara os sets de Hollywood pelas mansões de Monte Carlo, ao vivo era simpática, mais alta que nas revistas até. O almoço seria na Ribafria, o protocolo recomendava que as senhoras fizessem vénia, sem olhar directamente nos olhos. Os Grimaldi eram cerimoniosos, mas Graciete já estivera em Queluz com o almirante Tomás, e não obstante a D. Gertrudes ser de outra idade e educação, sabia o que eram salões, até já provara Moet et Chandon, champanhe do bom, nessa noite fora uma festa na cama com o provedor, lembrava agora.
Na véspera da visita, Graciete entrou em manobras: rolos na cabeça, para de manhã a cabeleireira dar o toque final, frascos de perfume e pó de arroz em barda, um colar de pérolas que o marido oferecera nos dez anos de casados, carteira de pele envernizada, um vison que não vinha à cena desde o Natal de 62, quando foram ver o Artur Garcia no Carlos Manuel, na festa da Santa Casa a favor dos pobrezinhos, como sempre o marido gastara mais de vinte contos num bodo aos pobres, Graciete compareceu, caridosa senhora, mas desde que eles ficassem a distância mínima, coitaditos, alguns nem sapatos tinham, coisas do marido, mas que podia fazer…
A saída de Colares foi pelas onze, o almoço na Ribafria era à uma, Graciete fez questão de fazer estardalhaço para que as vizinhas a vissem, qual vamp glamorosa, só faltava a boquilha, a D. Lurdes e a Manecas despeitadas simulavam apreciar a beleza da D. Graciete, ia pelos quarenta anos mas ainda enxuta, depois disto só a Riviera Francesa, felina ia dizendo às vizinhas que se falava dum convite do príncipe para os visitar no Mónaco no Verão. Guiando o Citroen boca de sapo que recentemente adquirira, o provedor, também administrador da Caixa, saiu direito à quinta, um telefonema da secretária informava que eles chegariam pela uma menos cinco, pontualmente, tinham trinta minutos, pela estrada de Sintra desceriam ao Lourel, guardas republicanos com farda de gala estavam já espalhados no percurso.
À porta da Quinta uma passadeira vermelha ladeada com jarrões de hortenses adornava a entrada, os jardins haviam sido arranjados, uma trintena de convidados aguardava já, o capitão Américo Santos, o dr. Forjaz, presidente do Sintrense, o governador civil de Lisboa, Mário Madeira a vereação, toda a beautiful people de Sintra e não só comparecia na ânsia de se fotografar com os príncipes, de soslaio as senhoras comentavam os trajes, a lambisgóia da mulher do juiz Pinheiro, metade da idade dele, era a mais provocante. “Parece uma zorra, a flausina!”- comentou Graciete com o marido, endireitando o vison sobre o ombro.
Os sapatos novos apertavam, mas havia que sofrer, era um bocado só. Avisados pela sirene dos batedores, todos se perfilaram quando o carro dos príncipes chegou à Ribafria. Cumprimentos, apresentações, os risos de circunstância sucederam-se. O visconde de Asseca, presidente da Câmara, fazia as honras com Jorge de Melo, chegada a vez do provedor e de Graciete pediu-lhes que avançassem para os saudar, Graciete, excitada e nervosa, precipitou-se para a frente, mas enfiado o salto do sapato num buraco desiquilibrou-se e o pequeno lago com peixes ao lado logo recebeu a visita da vistosa senhora e do vestido de vinte contos, para perplexidade dos presentes e riso de vingança das demais senhoras. Rainier, cavalheiro, tentou levantá-la, em pânico e descorçoada, Graciete dava nas vistas mas não pelas razões que imaginara. Aproximando-se um fotógrafo, divertido pela cena caricata, longamente se demorou disparando flashes sobre a molhada e agora murcha esposa do provedor da Santa Casa de Sintra. Sairia enfim no Paris Match, mas não pelas razões que antevira….