por F. Morais Gomes

30
Set 11

A população estava abismada, anos a fio a conviver com o pacato Jorge, pintor de profissão, treinador de basquetebol nas horas vagas, e agora a notícia, saída dum filme americano, com todos os ingredientes de suspense e simulação: um pacato africano, oriundo das ex-colónias, chegado a Portugal há vinte anos, escondia um tortuoso passado, assassino de um gasolineiro em New Jersey, pirata do ar e autor do desvio de um avião. E tudo há mais de quarenta anos. É uma vida, comentava a vizinhança em Colares, acusando agora estranhos tiques no que antes era a expressão de bonomia do vizinho das Casas Novas. Em Colares, não se falava de outra coisa, no Cantinho da Várzea, entre uma bica e um favaios, o assunto era o tema de conversa:

-Pois ele há cada uma, ó Leopoldo!- dizia o Jaime do banco, despachando um galão pela manhã- ainda a semana passada aqui estivemos os dois, a falar do verão, que este ano andava com as voltas trocadas, ele até me pagou a bica!

-É para você ver, amigo Jaime. Quem vê caras não vê corações! -assentou o Leopoldo da imobiliária - É preciso tê-los no sítio para fazer o que ele fez, já viu? Desviar um avião com oitenta pessoas vestido de padre. E como é que ele andou a monte este tempo todo? Olhe, lembra-se do Chico do táxi dizer que tinha visto o Bin Laden por aí e toda a gente caçoou dele? Já não digo nada, não senhor!

Com a televisão em fundo entrevistando os vizinhos, o Vasco foi levantar o som, lá estava o pessoal todo, e o Rui da Junta a atestar o bom comportamento do pintor. Indirectamente, Colares era falado no FBI e nos jornais americanos, podia até ser que a casa virasse santuário, a explorar pelo turismo, aventava o Vasco, já pensando nas bicas e galões que o filão lhe poderia render.

Já chegando a reportagem ao fim, entraram a D. Ivone e o sobrinho, o Vitalino, há mais de dez anos que exploravam um negócio de antiguidades em S.Pedro, morando embora no Mucifal. Ivone Portela era uma mulher vistosa, já entrada na idade, em nova deveria ter sido causa de muitas paixões, mortos o irmão e a cunhada num acidente de viação, adoptara Vitalino ainda pequeno, ajudando na loja, seria dele o negócio um dia destes. Pedindo uma bica escaldada, não resistiu a entrar no tema que a todos espantara:

- Já viu bem isto, senhor Leopoldo? O mundo está perdido, não se pode confiar em ninguém. E eu que o contratei o ano passado para me pintar o quarto, já viu onde poderia estar hoje? E é para cá que vêm todos, só porcaria desta  é que vem para Portugal!

-Mas agora vão mandá-lo para lá. Nem quero imaginar, a ter em conta o que se vê nos filmes… Sabe, eu por mim não o extraditava: já cá tem filhos, com a justiça que a gente tem, daqui a uns anos está cá fora, e os americanos nisso, desculpem lá, mas aquilo não é justiça, é vingança! É como nos filmes do oeste: primeiro matam e depois é que vão ver quem era!

Dois guardas da GNR passando no local escutavam sem se pronunciar, um deles, ultrapassado pela PJ, não deixou de puxar a brasa aos galões da sua força, afinal a última a saber:

-Eu já tinha desconfiado de qualquer coisa…- comentou seguro de si o Taborda, deslocado de Ribeira de Pena para Sintra, sotaque cerrado a não deixar dúvidas- ele falava um português assim meio esquisito. Como o Obikwelu, está a ver. E a caixa de correio americana…. Ná, estava na cara, mais uns dias e tínhamos sido nós a deitar-lhe a luva!

-Já viu a medalha do FBI aí no peito, senhor guarda?- elogiou a D.Ivone, deixando o guarda ruborizado, a ver-se a receber a medalha na América, com guarda de honra e tudo. – nós também temos cá gente muito competente!

Recebendo uma chamada a D.Ivone saiu para Sintra com o sobrinho, com o calor, os patos no rio de Colares refrescavam-se divertidos enquanto equipas de reportagem americanas chegavam com carros equipados com antenas para fazerem directos para os States, alguns mais esclarecidos reconheceram até Anderson Cooper, repórter especial da CNN enviado a Portugal. Não fora um telefonema para a irmã, e uma velhice serena estaria reservada ao terrorista reformado.

Alguns dias depois, voltada a troika e a Madeira às primeiras páginas, Colares retomou a pacatez e beleza outonal, os plátanos vítima de emboscada no inverno haviam recuperado a pujança de décadas, os patos nadavam em fila indiana, alguns pequenos e recém-nascidos. Na adega, a vindima havia sido razoável e apesar de pequena, a colheita renderia uns litros de ramisco mais, do teimoso chão de areia que cercado resistia a desaparecer.

Abrindo o Cantinho pela manhã, a ligar as máquinas e servir as primeiras bicas, Vasco estranhou a D.Ivone, sempre a primeira pela manhã, nem o Vitalino com o seu ar lunático apareceu, alterando hábitos de muitos anos. Chegou o Leopoldo, entretanto, para um café rápido a caminho da agência, no jornal da manhã apenas notícias de economia e a inevitável senhora Merkel, a valquíria do fim do euro em grande plano. Interrompendo as notícias, na televisão o canal noticioso  dava conta duma detenção importante, muito a custo Leopoldo pareceu ouvir os nomes Sintra e Colares.

-Põe lá isso mais alto, ó Vasco!- atalhou o Leopoldo, alertado para a televisão.

Levantado o som, a jornalista interrompendo uma notícia sobre Jorge Jesus dava nota duma história inacreditável:

“Depois do americano George Wright, Colares, no concelho de Sintra volta a receber a visita da PJ. Dando cumprimento a um mandato de detenção europeu, ali foi detida Rossana Guareschi,uma mulher de nacionalidade italiana, há muitos anos fugida à justiça do seu país, membro das Brigadas Vermelhas e uma das autoras do assassínio do primeiro ministro italiano Aldo Moro no final dos anos setenta. A mulher, que vivia sob o falso nome de Ivone Portela, possuía um antiquário em Sintra, e vivia com o filho doutro terrorista, a quem prometeu criar depois deste falecer na prisão”

-Ele há cada uma!- comentava boquiaberto o Vasco, desconfiando já de Leopoldo,  que vistas bem as coisas, tinha cara de narcotraficante sul americano, disfarçado sob um sotaque vagamente alentejano.

 

publicado por Fernando Morais Gomes às 21:52

29
Set 11

Eliminar o caos, a dor, o sofrimento, tal o desígnio do engenheiro Ezequiel Levi, judeu e cabalista nas horas vagas, interprete do Livro da Formação, o Sepher Yetsirah dos seus antepassados marranos, iniciado maskilim e céptico do Talmud. Encafuado no retiro da Ulgueira, em cada número ou acento das escrituras descortinava sentidos escondidos, ao procurar reconhecer fontes negativas na mente e coração, Ezequiel acreditava estar a contribuir para uma interioridade positiva, liberta de egoísmos e mais próxima de Deus. Separado aos sessenta de Greta, uma norueguesa com quem casara numa altura em que trabalhara numa plataforma de petróleo no mar do Norte, reformado e dado agora às espiritualidades, vivia só e junto ao mar, com um gato e uma governanta, a Cecília, quase sessenta também, que de tudo o aliviava para que se dedicar em exclusivo aos seus estudos e elucubrações. Já entrado nos setenta, divorciado e sem herdeiros, fizera testamento a favor de Cecília, deixando-lhe a casa da Ulgueira uma vez que partisse deste mundo, só ela o aturava nesse fim de vida, retirado e dedicado ao misticismo, era justo que assim fosse recompensada. Jurando nada querer, Cecília ia aguentando as taras do velho Ezequiel, ciente de que, apesar das excentricidades, a segurança de uma casa compensaria a paciência de santa que tinha para com ele. Ezequiel, em dias de maior excitação, procurava doutrinar a serviçal, pessoa simples e de poucas letras, doutorada sobretudo nuns maravilhosos pastéis de feijão com que aconchegava o estômago do espiritualmente esfomeado aprendiz de cabalista:

-Sabes, Cecília, a Cabala ensina-nos a que todo o ser humano é uma obra em execução. Qualquer dor, desapontamento ou caos que exista nas nossas vidas não ocorre por fatalismo, mas apenas porque ainda não terminamos o trabalho que nos trouxe até aqui. É preciso libertarmo-nos do domínio do egoísmo e criar uma afinidade com Deus!.

-Senhor Ezequiel, eu para mim, já faço a minha parte. Todos os domingos assisto à missa aqui na Ulgueira, e sou muito devota de Nossa Senhora do Cabo, fique sabendo!- rematava a velha criada, para quem as centenas de calhamaços espalhados pelo chão mais não eram que um entrave para limpar o pó, tudo queimado ainda era pouco, pensava.

-É preciso a verdade, enfrentar o mundo com paciência, ter empatia com o nosso semelhante…- repetia, esbracejando pela sala da velha casa, num roupão de cetim que lhe conferia um ar aristocrático.

-Sim, sim, lá empatia não tenho, graças a Deus, que o Dr.Botelho diz que estou rija, felizmente, mas olhe, até costumo ajudar o Exército de Salvação de Colares, e tudo…

Absorto, Ezequiel mergulhava na obra do rabino Kook, o primeiro rabino ashkenazi de Israel e fundador da Merkaz Harav, cabalista e afamado estudioso da Tora, devorando versões traduzidas do Livro da Criação, de Abraão, o famoso Sefer Yetzirah e do Bahir, do rabino Ben Hakana, sob o signo da busca espiritual. Ezequiel procurava agora a paz e a verdade de que andara afastado em anos de vida materialista e mundana, dependente do álcool e com uma relação atribulada com Greta, que voltara para a terra natal dez anos antes, depois dum divórcio já entrado nos sessenta.

-O Zohar diz-nos que a alma humana possui três elementos, o nefesh, o ru'ach, e o neshamah. O ru'ach, a alma mediana, contém as virtudes morais e a habilidade de distinguir o bem e o mal. Como achas que está o teu ruach, Cecília?

Cecília encolhia os ombros, já habituada às excentricidades do velho. Não fosse a promessa de herdar a casinha depois dele bater a bota e já se teria despedido.

Alguns meses ainda durou Ezequiel devotado aos seus livros e estudos, procurando uma tardia redenção no fim dos seus dias, sabedor de ter uma doença terminal refugiava-se no estudo da alma, diariamente visitado pela Cecília, que lhe fazia a lida da casa e as refeições, voltando para o marido ao final do dia.

Um final de tarde, já no Verão, Ezequiel finou-se, em paz, lendo na sua biblioteca e partindo finalmente para a terra do Deus de Abraão. Como combinado, Cecília providenciou um enterro judaico, em Lisboa, aos livros e papeis encaminhou para Sintra, à guarda do Arquivo Histórico, que em sua homenagem abriria uma nova sala com o seu nome. O principal seria passar a casa para seu nome, uma vez que fosse lido o testamento no qual era única beneficiária, e foi isso que procurou tratar no cartório em Sintra. Para pasmo da devotada governanta, do testamento cerrado constavam apenas frases enigmáticas da cabala, e a doação dum serviço de mesa que Cecília tanto gabava. Com medo de a perder e aos seus cuidados, Ezequiel nunca confessara que a quando do divórcio de Greta, a casa da Ulgueira ficara para ela, com reserva de usufruto em vida do engenheiro. Depois de morto, o safardana pregava a partida à desinteressada Cecília, revelando que a sua alma mediana, esse ru'ach da virtude, do bem e do mal, mais que prática assimilada não passara afinal de sórdida judiaria enredada por tortuosa cabala, movida não pela prática do bem e da redenção, mas mais atenta aos valiosos e quase gratuitos préstimos de fada do lar e aos deliciosos pasteis de feijão da empregada.

                                

publicado por Fernando Morais Gomes às 11:17

26
Set 11

Sintra, Outono de 2017, postas as eleições autárquicas, o novo presidente da Junta de Sintra Norte, criada em 2013 pela fusão das freguesias rurais do concelho, convocava uma assembleia de freguesia para aprovar os novos patrocínios que, atenta a falta de verbas, iria contratualizar com privados. Uma empresa de tintas asseguraria o vencimento do pessoal operário, devendo para tanto ostentar T-Shirts dessa marca no exercício de funções, uma seguradora patrocinaria a manutenção de jardins e valetas, assim se assegurando a sustentabilidade imposta desde 2011, quando pela primeira vez se acordara uma ajuda externa com instituições europeias. Acácio Relvas, o novo presidente, apresentara um plano radical de saneamento económico: as escolas primárias eram agora espaços mistos, albergando serviços, o centro de saúde e até alunos, em todo o centro histórico vendera em time-share lugares de estacionamento, livremente transaccionáveis entre automobilistas, sendo que se passara a cobrar acessos a praias e falésias, a utilização de paragens de autocarro e bancos de jardim, a autorização para colocar vasos em janelas e varandas, enfim, tudo o que mexesse e tivesse valor económico teria de ser auto-suficiente. Leis do período 2011-2013 penalizavam os autarcas que não comprovassem no momento da eleição deter as verbas necessárias para as obras que se propunha executar, e desde que o voto passara a ser condicional, podendo ser retirado por incumprimento de promessas a meio dos mandatos, autarcas de todos os partidos actuavam agora com maior contenção. Ainda estava na memória o malogrado Alberto Machico, a quem fora retirado o mandato por prometer ciclovias ligando as praias pelo areal e não ter executado nenhuma.

A freguesia, agora redimensionada, mudara muito em poucos anos contando com um só funcionário, avençado e operando por teletrabalho, e uma página no Facebook que substituíra o Apoio ao Munícipe, assim se poupando em pessoal, até a sede era virtual e o correio uma posta restante.

Nessa noite, reuniria com a nova presidente da câmara, uma jovem que ganhara a série 8 da Casa dos Segredos, reduzida a cinco vereadores, a nova equipa, da total confiança e nomeação da presidente, iria apresentar os planos para o quadriénio: a venda dos SMAS a um grupo do Qatar, a concessão da Regaleira a uma empresa chinesa de relógios, bem como a privatização de algumas escolas primárias, o Disney Chanel e a Chocapics haviam já apresentado propostas. Acácio Relvas aplaudia, e ainda o programa não era aprovado, já nova ideia lhe surgia: a venda de lotes nos cemitérios municipais, nos quais, facilitada a utilização vertical, se poderiam comercializar espaços de estacionamento em silo, dado o preço dos parquímetros andar pela hora da morte.

Eram tempos novos: depois da falência da Grécia, em 2012, Portugal tivera de fazer grandes reformas. A dívida ia-se pagando, graças aos eurobonds que Conrad Bratwurst, o novo chanceler alemão, finalmente impusera, a troco da nomeação dum ministro europeu das Finanças. Lisboa perdera entretanto tal governante e até os ministros dos Estrangeiros e Economia eram agora comuns aos vinte e sete. Sintra sobrevivera como concelho, mas as freguesias eram apenas cinco e os funcionários menos de cem, dispensado que fora o grosso deles por simples e-mail e sem indemnização entre 2012 e 2015. Dependendo de autorizações de Bruxelas, as verbas vinham a conta gotas, pelo que privatizar era a palavra de ordem para o quadriénio, previsões da OCDE admitiam um crescimento de 0,5% para 2018, numa revisão em alta.

Acácio Relvas, de Nafarros, eleito para a junta aos trinta e cinco anos e ex- jogador de futsal, vinha focado em poupar e gerar receitas: para a rega dos jardins, captaria água da serra, para a recolha do lixo, usaria cães rafeiros adoptados no canil, uma portagem de acesso à vila captaria verbas da chamada scut pedonal, com taxas diferenciadas para moradores, visitantes e chineses. Pouco a pouco, as contas compunham-se e Bruxelas elogiava o esforço. Nem mais um emprego havia sido criado ou um habitante captado para lá morar, mas que interessava, pessoas são despesas, equipamentos, serviços, reduzida que fosse a população muito se ganharia em qualidade de vida e tranquilidade, da vila e dos cofres. E vistas bem as coisas, o consumismo e o dinheiro só haviam servido para criar vícios e desordens. Afastados há uma década de tais comportamentos desviantes, Sintra e Portugal seguiriam agora o rumo do aforro e da contenção, apanágio dos mansos que talvez um dia, completamente tesos,  entrassem no reino dos céus…

publicado por Fernando Morais Gomes às 15:38

24
Set 11

Caminho. Caminho por Sintra, sabendo ter a serra sempre ao lado, milenar guardiã e larvar berço de lendas e histórias, cadinho de  mouros e cristãos, reis caçadores e intrusivos ingleses, que aí desaguando sonhos e dramas a moldaram, aristocrática e venal, feiticeira e soturna. E lamentando as chagas na pedra e o descuidado património, o renovado  espanto pela confortante descoberta do triunfo do verde, em presépio aninhando casas e palácios, fontes e miradouros.

Sintra tem ritmos e matizes, surpresas e ilusões. Suburbana na cacofónica Portela, de alunos para as escolas e funcionários para os serviços, senhoras para as compras e reformados para o jardim, e também de agrilhoados contribuintes arrastando-se para as Finanças, utentes esperando uma licença do urbanismo ou contando os tostões para pagar a água cortada pelos SMAS. Subo a rampa da Portela, fugindo da selva de intrusivos carros e denodados arrumadores, e desço ao burgo, deixando atrás os anzóis do Brancana e as apólices do Catarino, e a garagem, agora azul, depois dum passado negro, a Ideal e o prateado Faria. É a zona mista,  a fugir ao subúrbio e antes ainda da old town, já skaters invadem a Estefânea da Marrazes e Simões, boticários veteranos, do Tirol e Monserrate, seus cafés e galões, e dos chineses dos tupperwares e das pilhas, dos guarda-chuvas e velas. E dos bancos, torpes casas de usura, antro de predadores cobradores dos fracos.

O velho Carlos Manuel do povo fechou já, aristocrático vestiu roupa nova, casa de ópera e Cadaval na desaparecida plateia de filmes a cinco escudos, do John Wayne e Cantinflas. E também do teatro novo em Sintra, de Maria João Fontaínhas e Alvim, operários da cultura e das artes, em levado tempo em que se podia sonhar. Também o casino fechou,  sinuosa roleta o entregou em tempos a um coleccionador do vil metal, desnorteado esqueceu já velhos tempos e é pálido o amarelo das fachadas, fechadas hoje  a maior parte do tempo.

Volvo ao trilho da vila, chamado pelo silvar ventoso e perfumado do verde selva, a caminho, lá está burguesa a Correnteza, miradouro e varanda, parapeito de amores e de pombos, perto passa o comboio, do Larmanjat ninguém já lembra, ondulante e inseguro. Como sempre, chegam turistas e mirones, gentes e vidas, a descobrir o éden terreal. E estrada abaixo, respirando fundo, sulco o Vale da Raposa, saudando os familiares passantes, rostos de muitos anos, baptizados e funerais, festas do cabo e da vila, cúmplices envelhecendo com a serra sempre ao lado, previsivelmente fria no Inverno e também fresca no Verão, o verão de Sintra, cacimbado e nebuloso.

Aproximo-me do burgo ao som cadente dos cavalos, pretérita lembrança de reis e burgueses, dos Maias e Calisto Elói, do Garrett e do Zé Alfredo, de Anjos Teixeira e M.S.Lourenço. Vernacular, o torreal município é sua porta de entrada e fronteira, e o leão de pedra o guardião, palpitantes, aceleram-me os sentidos à vista da miríade encantada, a curva do Duche e o odor canelado da Sapa, o Valenças e as solarengas mansões , a água jorrando cristalina da  exótica fonte mourisca. E o Grande Maior, da feiticeira Llansol, as camélias de Nunes Claro, e o fantasma a cavalo do Carvalho da Pena, guardião do Jardim, à noite solitário patrulhando as veredas,  druida da serra e dos lagos.

Ofegante chego enfim à vila, refúgio da utopia e altar sagrado de poetas, lusitano reino dum palpável Parnasso. Não os vejo, mas ouço, rostos da Sintra de hoje, ouço a Maria Almira, o Rui Mário, o Jorge Menezes, jovens e generosos actores de várias gerações, danças medievais e bailes das camélias, os vitoriosos patins do hockey de Raio e Cipriano. E guloso, mergulho nos segredos do açúcar, das Periquitas e Sapas, dos Gregórios e Matildes, orgia do paladar à sombra tutelar do Paço.

Apurados os sentidos, esperguiço-me na escadaria, e hipnotizado fixo o castelo, invisíveis ogres lançam caldeirões de azeite e catalépticas bruxas invadem a noite em vassouras, invisíveis, lancinantes, chegam a mim os passos de Afonso VI prisioneiro, e o ecoar das festas joaninas, um amargurado Camões lendo para um jovem rei alucinado, e a condessa d’Edla e Viana da Mota, acorrendo ao repicar festivo do sino em S. Martinho.

Invisíveis faunos e visíveis heróis, todos chegam à escadaria onde até ali matutei sozinho, a um chamamento prestes tomam lugar no camarote dos tempos, incensados e perdidos, esperançosos e idealistas. Sintrenses. E a serra e o castelo, as chaminés e as fontes, em eterna reconciliação, a todos abraçam no grande festim da noite, à sombra segura da argêntea Lua.

publicado por Fernando Morais Gomes às 21:07

Xian, vale do Wei, província de Shaanxi, na antiga Rota da Seda. Com uma bolsa de estudo para aprofundar os estudos de arqueologia, Gilberto chegava à China para seis meses de investigação sobre o antigo Império do Meio. Depois do transfer em Beijing, mais de doze horas após a partida de Frankfurt, era o mergulho na China Central, numa cidade milenar onde o progresso chegara de rompante com a silenciosa revolução de Deng Xiaoping, o Pequeno Timoneiro, que suavemente enterrara a herança de Mao.

Instalado num hotel para estudantes, muitos da Manchúria e Guangzhou, a tradicional delicadeza dos chineses, sobretudo os de etnia han, facilitou a integração. Só ao segundo dia se apresentou na Universidade, onde o professor Siu o aguardava já, tal como a Vitautas, um lituano que com Gilberto colaboraria nos estudos sobre civilizações antigas.

Xian fora um centro cultural no século XI A.C com a fundação da Dinastia Zhou, quando a capital foi estabelecida em Fēng, um pouco a oeste da cidade actual. Após o período dos Estados Combatentes, a China foi unificada durante a Dinastia Qin, com a capital em Xianyang, um pouco a noroeste da actual Xian. Foi o primeiro imperador da China unificada, Qin Shihuang quem ordenou a construção do famoso exército de terracota e seu futuro mausoléu pouco antes da sua morte,aí seria o centro principal das actividades de Gilberto sob orientação do professor Siu, o arqueólogo-chefe.

Era um ambiente agradável, com as montanhas Qinling a sul e o rio bordejando a cidade, chegado no verão não foi sem surpresa que foi recebido por algumas trovoadas. Jovem e movimentada, a cidade era atractiva, e a comida saborosa, no centro, modernas discotecas de música alternativa ofereciam um panorama com que não contava tanto, preferindo contudo os tradicionais espectáculos de ópera qinqian.

Para um arqueólogo, a cidade era um manancial: os túmulos dos reis da dinastia Zhou, mausoléus e tumbas da dinastia Han,  algumas com esculturas de soldados de argila, eram contudo as figuras em terracota enterradas junto ao mausoléu do primeiro imperador Qin Shihuang, entre 259-210 A.C., o que mais  atraía. Visitando o local, a gravidade e aspecto marcial daqueles guerreiros enterrados transportaram-no para essa época distante, quase podendo ver os mesmos deslocando-se marciais pelo planalto central, às ordens de Qin. Entusiasta, o professor Siu contava a história, o trabalho do grupo agora chegado seria a abertura de nova vala a noroeste da actual, onde se supunha estar outra secção do vasto exército enterrado, pelo que logo no dia imediato, convenientemente vestidos e equipados, partiram para o local, quais Indiana Jones mal podiam esperar até escavar o primeiro metro de terra. A construção do mausoléu começara em 246 a.C. e acredita-se que foram precisos mais de setecentos mil trabalhadores e artesãos  para o completar ao longo de quarenta anos. De acordo com o historiador Sima Qian, o imperador fora enterrado em 210 a.C,  juntamente com tesouros e objectos artísticos, bem como com uma réplica do mundo onde pedras preciosas representavam os astros, pérolas os planetas e lagos de mercúrio os mares.

Durante os primeiros dias, nada senão terra e raízes surgiam do árido terreno, trovoadas frequentes obrigavam a interromper os trabalhos, aos poucos, a rotina obrigava a serenar os ímpetos de grandes descobertas no imediato. A tumba ficava perto de uma pirâmide de terra com 47 metros de altura e 2 quilómetros quadrados de área e o medo de erosão provocada pelas chuvas obrigava a especiais cuidados, pois a terracota era literalmente terra, cozida em fornos a baixa temperatura. Após cozer cada figura, ela era então coberta com uma camada de laca, para lhe aumentar a durabilidade. Mais de oito mil figuras haviam sido escavadas até esse momento, incluindo soldados, arqueiros e oficiais, todas em poses naturais. Para Gilberto e restante equipa, contudo, nada de vestígios novos a noroeste, talvez os estudos do professor Siu estivessem errados.

Já ao fim de dois meses, jantando um pato lacado no hotel de estudantes, numa noite em que chovia copiosamente, o empregado da recepção, conhecedor dos motivos da vinda do português à China, chamou-o de parte, e, pedindo silêncio, sugeriu-lhe que cavassem quinhentos metros a sul, exemplificando com um desenho. À pergunta da razão de tal convicção,  o jovem nada disse, e voltou para o seu portátil. Gilberto ficou intrigado, por mera curiosidade nessa noite foi passear na zona indicada, mas haviam apenas arbustos e nem sequer continuação física com o mausoléu. Pelo sim pelo não, no dia seguinte sugeriu ao professor uma deslocação para sul, o que ele rejeitou, todos os indícios apontavam a noroeste. Mas o rapaz do hotel deixou Gilberto intrigado, e nos dias seguintes foi metendo conversa com ele. Chamava-se Qin, tinha vinte anos e para além do hotel,passava o tempo criando jogos de estratégia militar no computador, sobre a “dica” sugerida nada mais adiantou. Movido pela curiosidade, desafiou Vitautas a escavarem por conta própria durante as férias no campus, com o professor ausente em Xangai num simpósio arqueológico. Três dias insistiram, escavando, até que uma cabeça, semelhante às já conhecidas, emergiu da terra onde estava soterrada, as armas e armaduras reais utilizadas esculpidas no corpo, não deixavam dúvidas: era um novo guerreiro, logo seguido de outros, uma nova ala, regressado o professor, atónito, continuaram nessa zona a sul, até que um novo núcleo de guerreiros ficou exposto, catapultando o português e o lituano para a história da arqueologia.

Alinhadas no fosso sul as novas peças, quase todas em bom estado, Gilberto, Vitautas e o professor Siu posaram junto a elas semanas depois para uma equipa do National Geographic, repórteres da CCTV da China não largavam o português, herdeiro de Carter, o descobridor de Tutankamon, satisfeito, Gilberto saboreava. No momento em que terminava a foto ao lado dos novos guerreiros, olhando o da sua direita, a cara deste, por sortilégio, ganhou vida, olhando-o sorridente e altivo. Passada a estupefacção, a cara pareceu-lhe familiar. Era Qin, o recepcionista do hotel, que sem que os outros o pudessem ver, piscava o olho a Gilberto, aprisionado na estática e milenar farda de guerreiro em terracota. Qin Shihuang, fundador da dinastia Qin, por razões inexplicáveis renascido dos mortos e à cabeça do seu exército imperial emergido das estranhas da terra.

publicado por Fernando Morais Gomes às 07:17

23
Set 11

 

O Mercedes preto de vidros fumados circulava a velocidade moderada entrando pelo portão dos jardins de Seteais, ainda três horas não eram, diligentes, os seguranças de auricular e óculos escuros, abriam caminho a pé, indicando o local exacto onde o veículo se deteria, pelo aparato era importante a personalidade que transportava, um carro branco da polícia, descaracterizado, antecedia-o e indicava o percurso. Aberta a porta por um segurança, um vulto familiar saiu direito à entrada, logo seguido de três seguranças. Silencioso e circunspecto, o primeiro ministro italiano, Berlusconi, chegava para um encontro com o homólogo português, que estava ligeiramente atrasado, a garantir aos jornalistas que depois da Madeira e mais sete derrapagens nenhuma mais havia escondida, repetindo exaustivamente que Portugal não era a Grécia.

Berlusconi, sacando dum pente a compor o implante capilar, dirigiu-se para a zona do bar, pedindo um campari,à passagem duma empregada de quarto que efectuava limpezas, ainda teve um pensamento pecaminoso, mas lembrou-se do amigo Dominique e susteve-se, pelo sim pelo não, mandou um segurança levar-lhe um bilhete com piropos, que ela, uma cabo-verdiana dengosa, aceitou, lançando um olhar felino sobre o poderoso capo transalpino.

De passagem por Portugal e vindo de Nova Iorque, Sílvio aproveitava para contactos com o colega português, agora que os biltres do rating cercavam a Itália, a acertar posições quando a crise do euro se agudizava e forçava à adopção dos receados eurobonds. Enquanto esperava Passos, duma janela foi contemplando a Pena e os jardins, belo conjunto os portoghesi tinham ali, recordava-lhe o Piemonte em certa medida. Chegado o anfitrião, depois dos abraços entre Sílvio e o debutante “Pietro” dirigiram-se para o salão de festas, onde uma mesa estava já preparada. Il Cavalieri acusava algum cansaço, e à vista dum piano, desviou o assunto para a música:

-Senti, Pietro, anche io quando era giovani ho cantato la tarantella, porco dio. E oggi sono altri che me vuoi dare la música, i bastardi!

Passos Coelho sorria, menos expansivo, acompanhando o convidado no desabafo:

-Senhor Presidente , também eu queria ser barítono, sabe, estudei canto na juventude, e a minha primeira mulher era artista…

Interessado, Sílvio acercou-se do homólogo, piscando um olho, e sondou, garanhão:

-E era bella, la tua moglie?

-Bellissima!- confidenciou o tímido primeiro ministro. Era um doce…Uma Doce, aliás...

Os assuntos da dívida levavam a encarar o tema de forma concertada, de forma a os países do Sul acertarem posições para o Conselho Europeu,  despachando o assunto em minutos e deixando  para as comitivas os pormenores do comunicado final.

Findo o encontro, Passos fez menção de se despedir, mas animado pela envolvência de Seteais, Sílvio puxou o colega por um braço e sentou-se ao piano, aquecendo as mãos:

-Vamos lá. Conheces aquela muito popular, o Funiculi, Funiculá?

-Sim, claro, senhor Presidente eu tenho de…

-Aspetta!- ordenou o impulsivo chefe do governo italiano- Acompanha-me aí. Agora, vá…

Qual criança com seu brinquedo, Berlusconi atacou a melodia, que um coagido Passos Coelho entoava, no vozeirão de Carreras de Massamá, atraídos, até o director do hotel e um hóspede, emissário do BCE, vieram assistir, aplaudindo, ali não havia dívida mas dádiva, comentou admirado o alemão para  Ricardo Salgado, que tomava chá num salão contíguo e também espreitava.

Satisfeito o capricho ao voluntarioso Sílvio, Passos lá saiu de volta a Lisboa, receberia Zapatero essa tarde e só esperava não o aguardar agora uma zarzuela, a esposa do Zé Luís era soprano e ele melómano também. Um assessor recordava a Berlusconi uma reunião ainda essa noite, em Milão, o jacto na Portela aguardava instruções para aquecer os motores.

Sem pressas, Berlusconi decidiu ficar para jantar, agradara-lhe o elegante resort, e sondada a cozinha, um apaladado osso bucco regado com um chianti foi providenciado para o jantar, feitos uns telefonemas, instruções foram dadas para mais dois pratos: Cristiano Ronaldo, que findo o treino viria de Madrid, e o amigo Dominique, acossado em Paris pelos paparazzi infernizando-lhe a vida, o jacto de Silvio iria buscá-lo. A troco de mil euros, uma cantora local entoaria para o grupo êxitos  de Domenico Modugno, com o imortal Volare à cabeça. O que parecia mais uma maçadora reunião com o sisudo colega di Portogallo, acabou numa aprazível noite de festa, bem regada e divertida.

Em mangas de camisa e já pelas onze horas, Sílvio, ruborizado, pediu licença para se retirar uns momentos, tinha telefonemas a fazer, deixando Cristiano a explicar a Dominique uma nova posição que não vinha no Kama Sutra. Ajeitando o implante e aliviando a gravata, dirigiu-se para uma suite no primeiro andar, onde ainda essa noite arranjaria tempo para aprofundar relações com o povo amigo de Cabo Verde.Ecco!

publicado por Fernando Morais Gomes às 10:43

21
Set 11

Havia uma semana que deambulavam pelo Alentejo, apontando a ocidente, Rocinante, acusando o peso de cavalo velho mal se arrastava pela quente planície, enquanto o burrito de Sancho, teimoso, se negava a continuar. Passado o Tejo em barcaça, e pernoitando numa aldeola junto a Sintra, de nome Montelavar, numa estalagem pobre e chã viu o nobre Dom Quixote poderosa mansão de gente da mais fina fidalguia e nos saloios que os acolhiam nobres de farta fazenda, quiçá parentes de algum grande de Espanha. A taberneira, a Aldegundes do Demétrio, estranhou os trejeitos do espanhol e a desconchavada armadura, safava-se Sancho, que travava os ímpetos do amo, tecendo elogio de manjar dos deuses a um prato de torresmos que lhes serviram para matar a fome, enquanto o seu senhor fazia vénias cortesãs à labrega estalajadeira servida de robusto buço, no qual o avisado cavaleiro viu um sinal de nobreza transmitido pelos antepassados.

Alojados na aldeia, ao dia seguinte, refrescadas as montadas, partiram para Sintra, de que muito o cavaleiro da triste figura lera em Crónicas de Fernão Lopes, e onde amiúde se deslocava El-Rey Filipe, agora senhor destes reinos, por herança e direito, a visitar o imponente eremitério dos Capuchos, que um dia comparara ao  portentoso Escorial.

As verdejantes encostas lembravam ao ilustrado cavaleiro a Bretanha dos cruzados, no alto, descortinando o ameaçador castelo de algum infiel califa, fez guarda com a lança, ordenando trote ao Rocinante e atenção ao simplório Sancho. Entrava-se em reino de Mafoma, e apesar de conquistado pelos guardiães do Templo todo o cuidado era pouco, podendo a cada momento de cada várzea surgir um mouro infame, a quem como depositário das tradições de cavalaria deveria trespassar. Sancho sossegava, os povos mais não eram que campónios na faina das hortas, belas maçãs vira, guloso, passadas as terras de Almargem, e farta parecia a vila ao taberneiro feito escudeiro.

Tendo surgido duma eira um saloio em seu jumento, a caminho da Malveira, saudou-o de forma cortêz, destapando a tina de barbeiro que lhe servia de elmo, assim cumprimentando todos os abastados habitantes daquele burgo. Já perto do Chão de Oliva, viu surgir ao caminho uma colareja num burro, Constança Sapa, de seu nome, e queijeira de mister, que vendo os forasteiros almejou vender-lhes deliciosas queijadas. Desconfiado, Quixote mandou que sumisse, mezinhas de bruxa, lhe pareciam. Sancho, guloso, bem quis provar uma mas temendo a fúria de seu amo, calou, deixando a velha praguejando contra os atoleimados castelhanos que assim desdenhavam dos seus  celebrados doces.

À vista das chaminés do Paço, um súbito grito de guerra saiu da boca do velho de La Mancha: ali estavam as vis masmorras do gigante Formentor, de quem lera em trechos do português Castanheda e que tanto vivia no mar como devorador se aboletava nas terras de incautas gentes. Deixando o Rocinante enervado, e relinchando agitado, Quixote deu ordem de investir:

-Ataquemos, fiel Sancho! Frágeis donzelas estão cativas nas masmorras daquele paço! Por Deus e Santiago! À minha ordem, honra e glória!

Já o corajoso libertador investia campos fora, quando assustado o burrito de Sancho lhe atalhou a marcha, evitando o pior:

-Senhor Quixote, Virgem Maria, travai vossos actos que aquele é o paço d’el rey ! Vede o estandarte! Não afrontemos quem é por nós, pois pode a ira de Don Filipe fazer perder-vos em terras de Portugal!

-Sai da frente, leal Sancho, deixa que trespasse o monstro, já azeite a ferver vejo cair de caldeirões pelas muralhas! Vinde, títeres infiéis! A meu ferro, mostrengo desalmado!

A custo, o pançudo escudeiro travou o ataque solitário, por ele ao menos se detivesse em suas iras. Acalmando um pouco, mas não convencido, às ordens do dono o fiel Rocinante deteve a marcha, já soldados da guarda vinham ao caminho a ver quem eram tais temerários forasteiros. O capitão da guarnição, Don Roboredo y Gárzon vendo o perturbado e patético cavaleiro de lança em riste, deu-lhe ordem de prisão, mandando-o desarmar e escoltá-lo até ao paço, onde se apuraria o motivo de desafiador entrar armado na vila reguengueira, e apurar a soldo de quem viajava. Dom Quixote exigiu alguém da sua estirpe, o alcaide-mor ou o estribeiro do rei, sacudindo as mãos dos soldados que o detinham, fez menção de sacar da espada, quando de imediato o imobilizaram no chão como reles salteador:

 -Largai-me infames! Eu sou Don Quixote de La Mancha, Grande de Espanha e da Andaluzia. Levai-me a vosso amo ou um certeiro degredo em Ceuta acalmará vossa insensatez!

O capitão da guarnição, achando o forasteiro perturbado, ordenou que o largassem sem alijar a atenção, em surdina, Sancho inteirava o capitão das visões e febres de seu amo, velho lavrador enterrado em livros pensando ser predestinado cavaleiro andante. Tido enfim por inofensivo, foi deixado em paz, sujo e poeirento, dessedentando-se enfim junto à Fonte da Sabuga. Sintra era definitivamente hostil, volvendo pela estrada que levava a Lisboa, lançou um olhar ao castelo mouro, vociferando despeitado contra o Monte da Lua:

-Por Deus e Santiago, Sancho, em verdade te digo, esta é terra de desalmadas gentes! Sangue turbado de Mafoma! Toma nota do que te digo: breve voltarei, e não me chame Don Quixote da nobre casa de La Mancha ou as chaminés do Demo não demorarão a tombar! Trarei um exército de bravos e prestes o estandarte de Santiago flutuará naquelas vis muralhas!

Regressando pelo cálido Alentejo aos livros e tratados de cavalaria, levou o Cavaleiro da Triste Figura os meses seguintes na soalheira casa em La Mancha, planeando a conquista do insurrecto bastião, que, milenar, lá continuou vendo reis e princesas, e cavaleiros até, dos verdadeiros e de estirpe, porém. Não fossem as aprazíveis atenções da bela Dulcineia del Toboso e ostentaria Sintra hoje uma estátua equestre do seu intérpido conquistador, triunfal no terreiro onde outrora chaminés inimigas  encobriam os títeres do Formentor.


publicado por Fernando Morais Gomes às 19:57

 


Era o regresso ao velho Kiss, em Albufeira, Frederico e os dois amigos, predadores com o cio  depois duma inesperada trovoada e degustadas as amêijoas à Bulhão Pato, caíram na orgia da  noite, líquida e tórrida, intervalada pelo som dos bares da Strip, estival habitat de alcoólicos das Midlands e anafadas  sósias da Susan Boyle. Bruno saíra duma relação com Mila, terminada dias antes de rumar ao Algarve para uns dias com os amigos, a obsessão por engates fortuitos que satisfizessem o ego ferido levava a galar toda a fauna caída na noite, para de manhã, ufano, exibir o triunfo de macho latino, traduzido no intenso cheiro a fragrâncias femininas, activada que fora a testosterona.

Nessa noite, já embalados por umas canecas de providencial cevada, depois duma Maude com sardas, uma Fiona exagerada em rimmel e até uma Carolina, de Beja, que não deram troco, acharam-se à porta do Kiss, já pelas duas da manhã,  onde holandesas aluadas se enfrascavam curtindo o Verão e alguns tugas a raiar o fanfarrão armavam emboscadas à fauna. O Gustavo, já grogue, encostou ao bar, no mais desportivo exercício de levantamento de copos, músicas de verão despertavam os corpos latejantes para a festa dos sentidos, ora entorpecidos, ora acelerados. Bruno logo sumiu, descobrindo-o os outros mais tarde encostado ao balcão enaltecendo os passes de Coentrão com um irlandês perdido na conta das canecas. Para Frederico, já acusando algum cansaço, a miragem duma cama repousante parecia já ser o destino certo duma noite sem presa quando ao som contagiante dum hit dos Duck Sauce se sentiu catapultado para a pista, rodopiando e  libertando os poros, ao som duma música que incensava Barbra Streisand, a madura diva de Holywood tornada tema em recintos de dança. O som entrava-lhe sibilino, sublinhado em voz alta cada vez que o metalizado nome da diva era repetido no psicadélico ambiente do velho Kiss. Desenfiado dos amigos, espalhados pelos balcões e canecas do recinto, deu de repente com uma vaporosa loira frente a si, dançando em jeito de desafio, da qual, desperto e curioso se aproximou, levantando os braços e enlevado cada vez que o nome de Barbra Streisand era evocado no refrão e toada da música dos nova-iorquinos. Numa transição de faixas, foi recarregar baterias ao bar, logo deparando a seu lado com a loira da pista, branca de carnes no seu vestido sem alças, destapando um corpo alvo e favorecido, inequivocamente nórdico. Era uma Helga, de Bergen, directa dos fiordes para a Praia da Oura a curtir o propalado Algarve e o andamento das suas noites, patrulhadas por jovens Camarinhas procurando fazer  jus à famigerada reputação e marcar a portuguese night scene, espécie de Ibiza com boa comida e ainda melhores sandy beaches.

Despachados os clássicos where are from e are you enjoing Portugal, um sofá providencialmente livre deu curso ao prefácio duma história que acreditava agora ir escrever essa noite, e em triunfo acrescentar mais um nome ao seu rol de troféus. Embriagados, Bruno e Gustavo pouco acordo davam de si, haviam começado cedo, abrindo as hostilidades ainda de tarde com caipirinhas na praia, na pista, a onda de clímax facilitava carícias desprendidas e fortuitas entre eles. A tenda estava armada, graças a uma generosa Barbra Streisand do plateau , quando acabasse as férias haveria de pesquisar no Google sobre essa cota que lhe trouxera sorte numa noite já dada por perdida.

Duas horas depois, regressados dum jardim convenientemente escuro e frondoso, cumpridas as juras de amor e promessas de tornar a ver-se, ficava assegurada a amizade luso-norueguesa, confortada que fora com carícias e massagens várias e por certo ainda traumatizada pelos ataques de Oslo. No bar, vitorioso, Frederico rematou uma vodka preta dum trago, iam já as cinco da manhã, entorpecido, Bruno dormia de boca aberta e copo a meio, numa mesa do primeiro andar. Já clareava lá fora quando o DJ de novo electrizou a pista repetindo o sucesso dos Duck Sauce, acordando Bruno e fazendo vir o Gustavo do bar do fundo, onde aos gritos para se fazer ouvir, há duas horas convencia um cambaleante belga da inviabilidade do euro e da União Europeia. Helga saíra já, com amigas, a caminho do hotel. Saciado, Frederico saltou de novo para a pista, gritando “Barbra Streisand” a cada repetição do nome, agora mágica palavra passe para uma inesperada e  proveitosa noite no verão algarvio.

Na tarde seguinte, no apartamento, preparando-se para nova e despreocupada tarde de praia com os amigos, reparou num volume algo enchumaçado no bolso de trás das calças. Sacada a peça, mais não era que o mínusculo fio dental da angelical Helga, a prova de que tudo se passara como recordado, um troféu mais a juntar aos muitos recuerdos de muitas outras noites, sempre culminadas com juras de amor eterno e exclusivo. Com cara de malandro e dando pela coisa, Bruno já recuperado da ressaca, aproximou-se, dando uma palmada cúmplice no ombro do amigo e espicaçando:

-Sim senhora, estou  a ver que não perdeste tempo nem andas a anhar aí pelos cantos, my friend! A quem é que pertence essa relíquia, meu?

Frederico, apertando com as mãos a preciosa peça de lingerie preta, guardou o  galardão na mochila, e saindo para um mergulho na piscina limitou-se a ripostar de forma telegráfica:

-À Barbra Streisand, a quem mais havia de ser?

publicado por Fernando Morais Gomes às 05:25

20
Set 11

"A desobediência civil é um direito intrínseco dos cidadãos. Reprimir a desobediência civil é tentar encarcerar a consciência, senhor guarda. Palavras do Mahatma Gandhi, já ouviu falar? -expressava Abel Tavares a um polícia gordo e de bigode ao sair da prisão onde passara a noite com os colegas, após um protesto contra a troika e a política de submissão. Acampados no Rossio à revelia, haviam sido removidos à força pela polícia, passando a noite na esquadra. Todos professores, alguns não colocados, acharam ser seu dever protestar após novo anúncio de impostos, a gota de água transbordante, junto com mais colegas,  haviam começado com uma flash mob no Camões, a força ganha com o engrossar de apoiantes levara-os a montar tenda no Rossio e fazer fogueiras, ameaçando dali não sair como forma de desobediência civil. O velho Saraiva, professor de Desenho já à volta dos sessenta e mandado para a mobilidade, era o mais enérgico, nos anos setenta activo contra a repressão, hoje contra a destruição de carreiras. Parando para o pequeno almoço na Brasileira, a recuperar da noite mal dormida depois de soltos manhã cedo, retomaram a diatribe verbal contra o poder, esse velho e familiar inimigo, comiciando entre meias de leite e cafés duplos:

-Um homem não deve desistir da sua consciência nem por um único instante, pois senão para que serviria a consciência? Devemos ser em primeiro lugar homens, nunca súbditos, amigos!. Não podemos cultivar o respeito pela lei ao mesmo nível do respeito pelos direitos. A única obrigação que temos de direito de assumir, é fazer a qualquer momento aquilo que julguemos ser certo. Costuma-se dizer que uma corporação só por si não tem consciência, mas uma corporação de homens conscienciosos já passa a ser uma corporação com consciência!- arengava o veterano lutador, dando uma passa num cigarro.

-É isso mesmo, Saraiva. Se há um governo que prende um homem injustamente, então o único lugar digno para esse homem justo é a prisão!- anuiu o Travassos de Química, filosófico, também ele não colocado e companheiro de cela essa noite. Pedindo uma segunda bica, para acordar, foi ajuizando:

- Sabem, enquanto passava o tempo naquela espelunca, fui observando as paredes de pedra e as grades de ferro, e não pude deixar de perceber a idiotice de uma instituição que nos trata como se fossemos apenas carne e ossos. Eles têm uma muralha muito mais difícil de vencer antes de conseguirem ser tão livres quanto nós - as nossas consciências! Nem por um momento me senti preso, sabem, as paredes pareceram-me um desperdício.Não há paredes que confinem a força indomável dum homem livre!

No escaparate dum quiosque em frente noticiavam-se escaramuças em Atenas, e até em Roma, Lisboa restolhava apenas no sussurro dos cafés ou em gestos simbólicos, inquietantes, contudo. O Tomás, de Matemática, orgulhoso por ter sido preso, lançou uma máxima que a todos agradou quanto ao caminho a seguir:

-“Anima-te por teres de suportar as injustiças; a verdadeira desgraça consiste em cometê-las.", dizia o velho Pitágoras. E maior violência não haverá que a violência das amarras, de fazer dos homens servos, da opinião rebeldia, ou da diferença ofensa? Onde está a democracia? Somos homens ou somos escravos?

-Meu caro, a democracia é algo que se tem de refundar todos os dias. Porque sendo a tentação do poder o seu maior inimigo, impõe-se mantê-la montando guarda às consciências e tendo sempre como fronteira estreita a ignomínia que leva à perda da dignidade, e com ela da humanidade!- Abel falava como um tribuno, relembrando as épicas RGA’s da sua juventude, de novo rebelde e com uma causa, vivendo a história a repetir-se, não como farsa, como o velho Marx profetizara, mas perigosamente como tragédia.

Nessa noite, os trilhos da liberdade apareciam aos velhos compagnons de route cheios de escolhos, emboscados pelo assalto aos direitos, agressivamente lançando a violência e esperando a mansidão do rebanho como resposta. O Portugal de 2011 era outro, individualista, silencioso na penumbra da net ou do Messenger, do cada um por si e para si, e os gestos de revolta pareciam esgotar-se só nisso, bem haviam visto com a geração à rasca. A Abel e aos amigos, mais que a afronta aos direitos, chocava a flacidez da resistência e a anemia de viver, um viver fatalista, paradoxalmente descobrindo um fado em cada mp3 ou cada Ipad, os jovens planeando o futuro noutros lados, melancolicamente conjugando cada vez mais os verbos desistir ou partir. E o drama é que percebiam que não seria um descabido golpe militar ou a convocação dos Abris adormecidos que levariam a fazer a diferença desta vez. A ele e aos amigos, contaminados pela estirpe da resistência, adormecida mas alojada ainda, o chamamento para a luta poderia ainda despertar os genes da esperança, guardados no secreto cofre do idealismo. Mas e aos outros? E a anomia perante as injustiças, a indiferença perante os direitos, a submissão perante os grilhões?

Pegando nas coisas, desceram o Chiado, levas de turistas e funcionários dos ministérios caminhavam já pela cidade que acordava, solitária e povoada de caras consumidas, almas penadas do apreensivo Portugal dos anos dez. Como esperançosamente lhes haviam vendido na juventude o futuro como um  mundo tecnológico, com cápsulas espaciais e teletransporte,  vida eterna e sem doenças, o admirável mundo novo de Huxley ou do Star Treck,  e como ironicamente se sobrevivia hoje  sobre as ruínas da sociedade da abundância, no dealbar de novas pobrezas, injustas, desiguais, nova pré-história da fraternidade e do sonho.

No Rossio, uma carrinha do Corpo de Intervenção, canina, buscava mais acampados da noite, insurrectos do megafone e para eles meros exibicionistas em busca da visibilidade dos telejornais, olhando de soslaio, os recém libertados, professores sem escola e órfãos de alunos sem ensino, seguiram cabisbaixos e cansados, mas interiormente contentes, apesar de tudo. Não tinham salvo o mundo, as suas consciências salvariam ao menos. Já na Praça da Figueira, e surgindo o 28 para a Graça, Abel fez sinal aos amigos, acelerando o passo:

-Depressa! Despachem-se! Com sorte ainda o apanhamos!

publicado por Fernando Morais Gomes às 16:40

19
Set 11

Os corpos rodopiavam, lascivos, num jogo de sedução que terminaria com a conquista da presa, lânguida e fêmea. O dançarino, castigador, conduzia, e premonitória a liturgia do engate seguia o seu caminho. Turistas em Buenos Aires, Penélope e Mauro deambulavam por lugares mágicos nas casas de tango de San Telmo e pelo colorido Caminito, que Gardel cantara, antes mundo de estivadores e rameiras e agora capital do tango, epidérmica dança de malandros e mulheres da vida. Perdidas ou desencontradas,  Evitas da vida, num tempo fora deste tempo, abordavam clientes  à porta, vendendo tórridas noites de paixão.

Na sala de baile,  as melodias, cantadas por um dolente e nostálgico magricela  convidavam a um guloso vinho chileno, que acompanhava um bife de chorizo acompanhado dum fabuloso queijo assado derretido sobre batatas recheadas. Mauro era desenxabido, careca aos trinta, óculos de massa fora de moda e mirava Penélope como Ribeirinho a Tatão no saudoso Pai Tirano. Ao ecoar do mítico El Dia que me Quieras suspirou e beijou a mão de Penélope que apaixonada pelo seu carequinha desfrutava desses momentos únicos, vamp do seu par, realizando um sonho, muito melhor que os Alunos de Apolo, ele muito pouco Apolo, ambos muito mais alunos.

Buenos Aires cumpria o seu Inverno austral quando era Verão na Europa, Mauro, alertado pelos médicos, sabia-se enfermo e fugia da realidade. Leucemia, sentenciara sem suavidade o doutor Baldaia, tempo para desfrutar da vida que restasse, cinzenta e amorfa, entre depósitos e cobranças no pacato  balcão do banco em Mem Martins,  agora em merecidas férias por gentil facilidade do Borges da agência, que facilitara um circuito a prestações, a pagar quando pudesse.

Cidade europeizada, sem negros ou índios, lembrava-lhe Madrid ou Sevilha, um obelisco branco rasgava triunfante a praça principal. Junto à Casa Rosada, antigas “madres da Praça de Maio”, mães roubadas aos filhos pela ditadura militar, posavam com um olhar amargurado para os turistas, que da Argentina só conheciam Maradona. Penélope quis ver o túmulo de Eva Péron, ao entrar sob chuva copiosa no cemitério de La Recoleta, Mauro teve um arrepio de espinha, antecipando ele mesmo um dia desses o seu féretro atravessando uma alameda de cedros em Lisboa.

O seu casamento nunca fora de paixões assolapadas, a custo tinham comprado casa, sem filhos, após um aborto com sequelas, viviam uma vida de rotina no subúrbio, com poucos prazeres para além do semanal jantar no shopping ou os domingueiros passeios pela praia, pejados de silêncios, os silêncios dos sórdidos domingos. Penélope, a leste do diagnóstico, notara-lhe ansiedade à partida, até pela pressa com que quisera fazer a viagem, embalados pela música e a boa comida, conseguiam por uns dias momentos de pura evasão.

Já perto do dia do regresso para uma etapa de incertezas, voltaram a um show de tango, com jantar incluído, agora no mítico Viejo Almacén, casa cheia das memórias de gerações de “desperados” e mulheres de faca na liga. Ao canto, um pianista ensaiava Piazzolla, a modernidade do tango, intimista e urbano, mágico, contudo, e já com a casa cheia, lá desfilaram familiares o Adios Muchachos e La Cumparsita, e mais para o fim, desafiando os clientes, o clássico A Media Luz, à media luz viveriam dias de amparo e reencontro com a vida também ela rodopiando entre sombras e claridades.

Uma empregada trigueira e vaporosa correu as mesas, e arrastando as cadeiras, desafiou os embaraçados clientes a entrar na festa e soltar emoções. Acanhados, Mauro e Penélope de início fizeram menção de não querer dançar, ante a insistência, lá se juntaram aos demais turistas, três japoneses delirantes tornavam a cena patética, rodopiando como  machos latinos e disparando flashes sem conta, emborcando o milagroso tinto que faria dessa por certo uma noite grande uma vez regressados ao hotel e ao previsível despertar acossado do império dos sentidos.

Mauro agarrou Penélope, olhando-a olhos nos olhos, ensaiou uns passos, trôpego,pé de chumbo para quem o plateau dos salões não era o terreno mais seguro. Envolvido pela música e soltando o corpo entorpecido, acabou ganhando o jeito, e depois de um copo, cada vez mais solto e confiante, conduziu Penélope como matador toureando a fera na arena. Entusiasmado, tirou o pulôver e trincando uma rosa vermelha entre os dentes rodopiou a sua fêmea pela sala, livre e possuidor, arrancando mesmo aplausos ao pianista e aos japoneses que bebiam sem parar,  amarelos, porém  cada vez mais avermelhados.

No fim dessa noite memorável, voltando para o hotel na 9 de Maio, dispensado o táxi e seguindo a pé, abraçados, deambularam na penumbra romântica do Caminito, familiar Pátio das Cantigas das pampas e repetiram o rodopiar anárquico do tango, felizes e realizados. Dum telhado, dois gatos olhavam admirados, enquanto um Mauro careca e já sem óculos arrebatava Penélope e a beijava com sofreguidão, rasgando mesmo na euforia dois botões da camisa e provocando com o gesto brusco a fuga assustada dos felinos. Qualquer que fosse o destino, não cederiam um dia mais que fosse à avareza de deixar de ser felizes. Até que finito, chegasse  El Dia que Me Quieras.

 

 

publicado por Fernando Morais Gomes às 20:49

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