O Mercedes preto de vidros fumados circulava a velocidade moderada entrando pelo portão dos jardins de Seteais, ainda três horas não eram, diligentes, os seguranças de auricular e óculos escuros, abriam caminho a pé, indicando o local exacto onde o veículo se deteria, pelo aparato era importante a personalidade que transportava, um carro branco da polícia, descaracterizado, antecedia-o e indicava o percurso. Aberta a porta por um segurança, um vulto familiar saiu direito à entrada, logo seguido de três seguranças. Silencioso e circunspecto, o primeiro ministro italiano, Berlusconi, chegava para um encontro com o homólogo português, que estava ligeiramente atrasado, a garantir aos jornalistas que depois da Madeira e mais sete derrapagens nenhuma mais havia escondida, repetindo exaustivamente que Portugal não era a Grécia.
Berlusconi, sacando dum pente a compor o implante capilar, dirigiu-se para a zona do bar, pedindo um campari,à passagem duma empregada de quarto que efectuava limpezas, ainda teve um pensamento pecaminoso, mas lembrou-se do amigo Dominique e susteve-se, pelo sim pelo não, mandou um segurança levar-lhe um bilhete com piropos, que ela, uma cabo-verdiana dengosa, aceitou, lançando um olhar felino sobre o poderoso capo transalpino.
De passagem por Portugal e vindo de Nova Iorque, Sílvio aproveitava para contactos com o colega português, agora que os biltres do rating cercavam a Itália, a acertar posições quando a crise do euro se agudizava e forçava à adopção dos receados eurobonds. Enquanto esperava Passos, duma janela foi contemplando a Pena e os jardins, belo conjunto os portoghesi tinham ali, recordava-lhe o Piemonte em certa medida. Chegado o anfitrião, depois dos abraços entre Sílvio e o debutante “Pietro” dirigiram-se para o salão de festas, onde uma mesa estava já preparada. Il Cavalieri acusava algum cansaço, e à vista dum piano, desviou o assunto para a música:
-Senti, Pietro, anche io quando era giovani ho cantato la tarantella, porco dio. E oggi sono altri che me vuoi dare la música, i bastardi!
Passos Coelho sorria, menos expansivo, acompanhando o convidado no desabafo:
-Senhor Presidente , também eu queria ser barítono, sabe, estudei canto na juventude, e a minha primeira mulher era artista…
Interessado, Sílvio acercou-se do homólogo, piscando um olho, e sondou, garanhão:
-E era bella, la tua moglie?
-Bellissima!- confidenciou o tímido primeiro ministro. Era um doce…Uma Doce, aliás...
Os assuntos da dívida levavam a encarar o tema de forma concertada, de forma a os países do Sul acertarem posições para o Conselho Europeu, despachando o assunto em minutos e deixando para as comitivas os pormenores do comunicado final.
Findo o encontro, Passos fez menção de se despedir, mas animado pela envolvência de Seteais, Sílvio puxou o colega por um braço e sentou-se ao piano, aquecendo as mãos:
-Vamos lá. Conheces aquela muito popular, o Funiculi, Funiculá?
-Sim, claro, senhor Presidente eu tenho de…
-Aspetta!- ordenou o impulsivo chefe do governo italiano- Acompanha-me aí. Agora, vá…
Qual criança com seu brinquedo, Berlusconi atacou a melodia, que um coagido Passos Coelho entoava, no vozeirão de Carreras de Massamá, atraídos, até o director do hotel e um hóspede, emissário do BCE, vieram assistir, aplaudindo, ali não havia dívida mas dádiva, comentou admirado o alemão para Ricardo Salgado, que tomava chá num salão contíguo e também espreitava.
Satisfeito o capricho ao voluntarioso Sílvio, Passos lá saiu de volta a Lisboa, receberia Zapatero essa tarde e só esperava não o aguardar agora uma zarzuela, a esposa do Zé Luís era soprano e ele melómano também. Um assessor recordava a Berlusconi uma reunião ainda essa noite, em Milão, o jacto na Portela aguardava instruções para aquecer os motores.
Sem pressas, Berlusconi decidiu ficar para jantar, agradara-lhe o elegante resort, e sondada a cozinha, um apaladado osso bucco regado com um chianti foi providenciado para o jantar, feitos uns telefonemas, instruções foram dadas para mais dois pratos: Cristiano Ronaldo, que findo o treino viria de Madrid, e o amigo Dominique, acossado em Paris pelos paparazzi infernizando-lhe a vida, o jacto de Silvio iria buscá-lo. A troco de mil euros, uma cantora local entoaria para o grupo êxitos de Domenico Modugno, com o imortal Volare à cabeça. O que parecia mais uma maçadora reunião com o sisudo colega di Portogallo, acabou numa aprazível noite de festa, bem regada e divertida.
Em mangas de camisa e já pelas onze horas, Sílvio, ruborizado, pediu licença para se retirar uns momentos, tinha telefonemas a fazer, deixando Cristiano a explicar a Dominique uma nova posição que não vinha no Kama Sutra. Ajeitando o implante e aliviando a gravata, dirigiu-se para uma suite no primeiro andar, onde ainda essa noite arranjaria tempo para aprofundar relações com o povo amigo de Cabo Verde.Ecco!