por F. Morais Gomes

26
Set 11

Sintra, Outono de 2017, postas as eleições autárquicas, o novo presidente da Junta de Sintra Norte, criada em 2013 pela fusão das freguesias rurais do concelho, convocava uma assembleia de freguesia para aprovar os novos patrocínios que, atenta a falta de verbas, iria contratualizar com privados. Uma empresa de tintas asseguraria o vencimento do pessoal operário, devendo para tanto ostentar T-Shirts dessa marca no exercício de funções, uma seguradora patrocinaria a manutenção de jardins e valetas, assim se assegurando a sustentabilidade imposta desde 2011, quando pela primeira vez se acordara uma ajuda externa com instituições europeias. Acácio Relvas, o novo presidente, apresentara um plano radical de saneamento económico: as escolas primárias eram agora espaços mistos, albergando serviços, o centro de saúde e até alunos, em todo o centro histórico vendera em time-share lugares de estacionamento, livremente transaccionáveis entre automobilistas, sendo que se passara a cobrar acessos a praias e falésias, a utilização de paragens de autocarro e bancos de jardim, a autorização para colocar vasos em janelas e varandas, enfim, tudo o que mexesse e tivesse valor económico teria de ser auto-suficiente. Leis do período 2011-2013 penalizavam os autarcas que não comprovassem no momento da eleição deter as verbas necessárias para as obras que se propunha executar, e desde que o voto passara a ser condicional, podendo ser retirado por incumprimento de promessas a meio dos mandatos, autarcas de todos os partidos actuavam agora com maior contenção. Ainda estava na memória o malogrado Alberto Machico, a quem fora retirado o mandato por prometer ciclovias ligando as praias pelo areal e não ter executado nenhuma.

A freguesia, agora redimensionada, mudara muito em poucos anos contando com um só funcionário, avençado e operando por teletrabalho, e uma página no Facebook que substituíra o Apoio ao Munícipe, assim se poupando em pessoal, até a sede era virtual e o correio uma posta restante.

Nessa noite, reuniria com a nova presidente da câmara, uma jovem que ganhara a série 8 da Casa dos Segredos, reduzida a cinco vereadores, a nova equipa, da total confiança e nomeação da presidente, iria apresentar os planos para o quadriénio: a venda dos SMAS a um grupo do Qatar, a concessão da Regaleira a uma empresa chinesa de relógios, bem como a privatização de algumas escolas primárias, o Disney Chanel e a Chocapics haviam já apresentado propostas. Acácio Relvas aplaudia, e ainda o programa não era aprovado, já nova ideia lhe surgia: a venda de lotes nos cemitérios municipais, nos quais, facilitada a utilização vertical, se poderiam comercializar espaços de estacionamento em silo, dado o preço dos parquímetros andar pela hora da morte.

Eram tempos novos: depois da falência da Grécia, em 2012, Portugal tivera de fazer grandes reformas. A dívida ia-se pagando, graças aos eurobonds que Conrad Bratwurst, o novo chanceler alemão, finalmente impusera, a troco da nomeação dum ministro europeu das Finanças. Lisboa perdera entretanto tal governante e até os ministros dos Estrangeiros e Economia eram agora comuns aos vinte e sete. Sintra sobrevivera como concelho, mas as freguesias eram apenas cinco e os funcionários menos de cem, dispensado que fora o grosso deles por simples e-mail e sem indemnização entre 2012 e 2015. Dependendo de autorizações de Bruxelas, as verbas vinham a conta gotas, pelo que privatizar era a palavra de ordem para o quadriénio, previsões da OCDE admitiam um crescimento de 0,5% para 2018, numa revisão em alta.

Acácio Relvas, de Nafarros, eleito para a junta aos trinta e cinco anos e ex- jogador de futsal, vinha focado em poupar e gerar receitas: para a rega dos jardins, captaria água da serra, para a recolha do lixo, usaria cães rafeiros adoptados no canil, uma portagem de acesso à vila captaria verbas da chamada scut pedonal, com taxas diferenciadas para moradores, visitantes e chineses. Pouco a pouco, as contas compunham-se e Bruxelas elogiava o esforço. Nem mais um emprego havia sido criado ou um habitante captado para lá morar, mas que interessava, pessoas são despesas, equipamentos, serviços, reduzida que fosse a população muito se ganharia em qualidade de vida e tranquilidade, da vila e dos cofres. E vistas bem as coisas, o consumismo e o dinheiro só haviam servido para criar vícios e desordens. Afastados há uma década de tais comportamentos desviantes, Sintra e Portugal seguiriam agora o rumo do aforro e da contenção, apanágio dos mansos que talvez um dia, completamente tesos,  entrassem no reino dos céus…

publicado por Fernando Morais Gomes às 15:38

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