por F. Morais Gomes

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Jan 12


Terras Portucalenses, ano 928 da era cristã, a morte de Hermenegildo Gonçalves deixava-a senhora de vastas terras, de Portucale a Coimbra, viúva mas firme, a bisneta de Vimara Peres e tia de Ramiro II de Leão, Mumadona Peres, governaria com os terra tenentes, com mão forte como seu pai, o conde Diogo. Obesa e de olhos verdes, muitos anos levou tratando os seus domínios, arroteando as terras e ajudando a diocese.
Um dia, caminhando por uma ladeira, um velho cego duma vista, cantava uma melodia roufenha:
"Ai dona fea!/Foste-vos queixar/Que vos nunca louv'en meu trobar/Mais ora quero fazer un cantar/En que vos loarei toda via/E vedes como vos quero loar”
Reconhecendo-a, pediu um prato de sopa, tinha filhos com fome:
-Deus vos traga em sossego, condessa Mumadona. Poderíeis auxiliar um desvalido de vossas terras de Portucale, temente a Deus mas desprezado pelos homens?
A condessa, que escutou o maltrapilho cantando, pediu-lhe que repetisse a canção, espantado, o infeliz, de nome Ordonho cantou para ela, era uma toada alegre e descontraída, viúva entre homens, o coração de Mumadona alegrou-se, e mandou que o homem a procurasse na herdade de Vimaranes, lá o esperaria essa tarde.
Comparecendo e meio desconfiado, uma mesa com viandas e vinho aguardava o atarantado Ordonho. Mumadona sentou-se junto a ele, querendo saber mais sobre aquele homem, parco de letras e palavras certeiras, nunca no coro de Lorvão tal escutara.
Comendo avidamente, o camponês fitou a condessa e hesitou em falar, à vista de mais pão e vinho, lá se decidiu:
-Quereis saber onde aprendi tais canções? Com os pássaros na serra, escutando seus chilreios a eles juntando palavras dos enamorados sulcando os bosques de Vimaranes.
-Folgo em ouvir que em meus domínios se aprecia a música e enleva a palavra. Mais curial não era lavrares com arado ou cozer o pão?
-Alimento maior  para a alma é esse que o do corpo, senhora. Fazei de Vimaranes terra de canções e de trovas, mestres de cantaria e vitrais, e justificada fica a espada e a cruz, pois se por essas a lei de Deus se espalhará, pelas outras seu nome perpetuaremos!
Terminando, levantou-se e partiu pelas margens do Ave, Mumadona ficou a cismar e mandou chamar frei Torcato, que na matriz se cantasse e copistas fizessem iluminuras, braço da lei em terras portucalenses, queria em cada camponês um bardo e em cada lenhador um escriba. O frade cismou, mas lá se afinaram os coros e nos anos seguintes folgou em tangeres e trovas o condado de Portucale.
Vinte anos depois, Mumadona dividiu os domínios pelos seis filhos, vindo Gonçalo Mendes a ficar com o condado. Para si guardou Vimaranes, no sopé do Monte Largo, nessa herdade onde uma vez passara Ordonho erigiu mosteiro a S. Mamede, e logo um castelo, uma simples torre com cerca. Quando se sentiu envelhecer, a ele recolheu, recomendando a Gonçalo que fosse justo e ponderado:
-Sinto, meu filho, tranquilidade neste lugar, como se a bênção dos céus sobre ele caísse, sereno e devoto. Mouros espreitam, normandos também, teu punho forte lhe garantirá protecção, assim dando jus ao nome de teus antepassados!
Nesse dia, uma égua transportou Mumadona ao mosteiro, retirada das preocupações mundanas aí rezaria e faria votos o resto dos seus dias. Gonçalo pediu a bênção e acompanhou-a à porta, onde duas monjas a receberam. Entrando, olhou a planície e o castelo e não mais tornou a sair.
Mil e cem anos depois, a canção roufenha de Ordonho volta a terras de Vimaranes, por um ano cidade de tangeres e de escribas, de trovas e cantos muitos. É Guimarães, Capital da Cultura.

publicado por Fernando Morais Gomes às 11:58

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