por F. Morais Gomes

18
Fev 11

Desde que voltara de Angola, retornado do império, Alípio Gomes não mais viajara para fora do país. Bancário, casado mas sem filhos, dividia o tempo entre o balcão em Pêro Pinheiro e rotineiros verões  na  Manta Rota , apartamento à época geralmente em Agosto. Caseiro, a grande ocupação era a reconstrução da vivenda no Sabugo, em plena zona rural e  a dez  minutos  do emprego, onde com Adelina passava os dias tranquilo e sem grandes aventuras, os cinquenta  iam pesando um pouco.

Certa vez, num almoço com colegas, empolgados pela conversa e pelo Old Parr, um grupo do banco combinou ir ver o Benfica a Milão, jogo com o Inter, na era Camacho. Era Abril, depois do jogo ,três dias de passeio com os amigos, todos benfiquistas ferrenhos, o Barbas ao pé deles era debutante. Longos almoços passavam lembrando jogos de outros tempos, os mais empolgantes sempre contra os lagartos, se bem que o Antunes, da contabilidade, leão acérrimo sempre lembrasse, maçador, os 7-1 com o Manuel José.

Adelina não gostou muito da ideia, ficaria sozinha, quatro homens em Itália não era uma ideia que a agradasse muito, mas lá anuiu, a promessa de uns perfumes e chocolates amenizava o facto de ficar sozinha, mas teria de ligar todos os dias, e agasalhar-se que estava a nevar, bem vira na televisão, levar gorro e luvas e medicamentos para as dores de cabeça e azia,  pastas  e cannelones não a convenciam.

Até partirem, os dias foram passados a combinar os detalhes, e em sussurro, as facadinhas no matrimónio que machos latinos haveriam de dar, mal chegados ao aeroporto  seria tiro e queda, dizia o Amaral, a barriga obesa da imperial e tremoços a comandar as operações, as caras metade em casa a ver a novela, sossegadas. Alípio à cautela  até comprou duas caixas de Viagra, nunca usara mas à solta em terras de Sofia Loren não passaria o tempo  a ver o Scala de Milão, por certo, há muito que nem à noite saía, só a visitar os  chatos dos sogros na Azambuja.

No dia aprazado lá partiram, soltos das mulheres, os  outros colegas do balcão ,invejosos ,a desdenhar das prometidas fanfarronices, cachecóis do Benfica e bonés, no aeroporto, a parafernália lampiã a caminho de Itália e a promessa de 4 sem resposta, no mínimo.

Em Milão nevava, cinco autocarros com batedores conduziam a falange do Glorioso auto-estrada fora, ao som triunfal de “Benfica!” e “SLB!”, um carabinieri da polícia com os dedos profetizava 2-O. O jogo foi logo nessa noite, o Giuseppe Meazza a abarrotar de portugueses, junto a eles,uma faixa enorme  proclamava “Pêro Pinheiro presente”. Já a viagem na Alitália deixara as hospedeiras atarantadas com os tambores de guerra e as cervejas à vitória dos encarnados, Milão que se cuidasse que não ia ser ópera, mas baile…

O jogo foi renhido, mas contas feitas, o Inter, desmancha-prazeres lá deu 4-3, o Antunes, a partir de Lourel, mandava mensagens pelo telemóvel, foram de carrinho mas vinham de carroça. Depois do balde frio inicial, estavam em Itália, afinal, era preciso era afogar as mágoas em litros de líquidas louras e partir à caça das prometidas ragazzas à espera daqueles temerários portoghesi, para o efeito todos primos do Cristiano Ronaldo, menos na barriga, na careca e no resto.

O Pascoal, mais entendido, lá descobriu um bar nocturno com show erótico, era já aquele, do varão para a mesa e da mesa para a felicidade, esfregava as mãos o Alípio, um Viagra azul estava já de parte na carteira. Não que precisasse, mas por via das tosses, nada como melhorar a performance, no fim elas é que pagariam a eles, iam ver. A Adelina nunca o vira comprá-los, na Farmácia Marrazes, era a sua semana de liberdade condicional, a vida afinal são dois dias. Porém, havia um contratempo, naquele dancing não aceitavam cartão, só cash, todos juntos não tinham que chegasse. Foram a outro, não longe, mas novo percalço: entrada só com sapatos de couro, o Barbosa, suburbano ia de ténis, coisa de pobre, logo chingou o Alípio, tinha de ser ele a estragar a festa. Num outro, aconselhado por um polícia, os preços eram muito caros, e até para tocar nas bailarinas havia que pagar, o preço do table dance bastante mais caro que nos bares de alterne lá da zona. A coisa estava complicada, furada, nessa noite acabaram por ir para o hotel e alugar filmes pay-per-view nos quartos.

No dia seguinte, descoberta da cidade, e pela tarde, passeio até o Lago de Garda, paisagem de postal com pitorescas aldeias. Aí chegaram já noite cerrada, o hotel era num vilarejo onde fechava tudo às dez da noite, imperiais só no hotel, conversa sobre o Benfica dos anos sessenta com o barman, o comprimido azul apenas peso morto na bagagem. No último dia, de volta a Milão, o dinheiro já escasseava e havia que comprar a prenda da Adelina e pagar os extras, a miragem das facadinhas cada vez mais miragem, ao Antunes haveriam de contar aventuras tórridas, para o lagartão se babar quando voltassem.

Apesar dos dias bem passados, a prometida investida transalpina ficava-se pelo convívio, valera a pena, apesar de tudo, no avião de retorno até encontraram o Toni, velho lampião, que também ficara uns dias.

No regresso à rotina, fotos e prendas para a Adelina, grandes  narrativas no bar do Hélder a contar a facilidade tiro e queda como conquistaram a Itália, apesar do fatídico penalty que não foi penalty. No dia imediato, o quotidiano do banco, as baboseiras do Antunes, as obras da casa no Sabugo para continuar. Ao jantar, a Adelina, branca como a parede, apareceu indisposta:

-Estás bem, amor? Já eram saudades do maridinho, não eram?- confortou , dando uma garfada nas batatas fritas.

-Não, não. Não sei o que tenho, estou com uma enxaqueca terrível, e até tomei um daqueles comprimidos azuis que levaste na viagem, para as dores de cabeça. Mas não ajudou, até acho que fiquei pior!.

Quase engasgado e com o bife entre dentes, correu ao quarto e escondeu as malfadadas embalagens numa caixa de sapatos, faltava só um, felizmente. Não houvera aventura italiana, mas ou se enganava muito ou uma noite agitada e acalorada vinha pela frente no frio Abril do Sabugo.


publicado por Fernando Morais Gomes às 15:45

Anónimo a 18 de Fevereiro de 2011 às 23:41

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