por F. Morais Gomes

10
Mar 11

O On Ten Legs dos Pearl Jam era brutal, dizia o Becas para o pessoal, haviam de sacar da net, a banda viria a Portugal dar um concerto lá para Junho.O Duarte chegava entretanto ao bar do Diogo,curso de Relações Internacionais concluído,arranjara um emprego a recibos verdes no call center da PT,mais quinze dias e terminaria,não era política da empresa renovar contratos,o pai Artur,jornalista, acompanhava num copo. Liliana chegava também,acelerada, na Nova onde cursava Jornalismo o pessoal combinara encontro para sábado, no protesto da “Geração à rasca”, já mandara inúmeros convites pelo Facebook:

-Então, chavala, sábado lá estamos no Camões?- Duarte entusiasmara-se com a ideia da manif, não era a Praça Tahrir do Cairo mas havia que estar presente, trezentos euros por mês não davam nem para o tabaco.

-Podes crer, meu, ainda agora falei com a Xana, vamos de comboio!- Liliana mandara fazer uma T-Shirt, “Fartos dos recibos verdes!”, na faculdade, o Rui Zink apoiava e o pessoal de esquerda andava nervoso, a apalpar terreno.

-Esta coisa de manifestações sem responsáveis visíveis é perigosa, putos!- aconselhava o pai do Duarte, já veterano doutras guerras depois de Abril- correm o risco de virem a ser acusados do discurso anti-partidos, que o Hitler foi assim que começou…

-Mas é verdade, senhor Artur- ripostou a Liliana- é só conversa fiada, falam que somos a geração com mais competências de sempre, mas afinal para quê? Para ser caixa do Pingo Doce? Viu aquele tipo da Jerónimo Martins, a dizer que não aparece ninguém para os talhos deles, que ninguém quer trabalhar? O tipo passou-se, com certeza!

-Uma coisa é certa, o que pode ser uma grande ideia pode perder-se no ruído, estão a fazer disto caricatura para desvalorizar, que  são uns putos irreverentes, deixá-los…-Artur Esteves lembrava os seus tempos,outras roupas, velhas questões--E o paradoxo é que os que mandam agora são os mesmos que há vinte anos andavam a mostrar o rabo à ministra…É sempre o mesmo: o poder vicia! Já o Karl Marx dizia: a História repete-se sempre, primeiro como tragédia depois como farsa!

-O cota do teu pai  tem razão, puto, mas sem  barulho ninguém vai a lado nenhum, viram na Tunísia e no Egipto?- o Becas acabava um cigarro de enrolar.

Artur lia o manifesto do Facebook: “Nós, desempregados, quinhentos–euristas e outros mal remunerados, escravos, disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, estudantes, mães, pais e filhos de Portugal”. Parece muita coisa no mesmo saco, não acham? E depois?Não acham um pouco utópico? Dispara em todas as direcções, isto não há como ser selectivo com o alvo! - o velho mas ainda enxuto dirigente académico dos finais de setenta parecia recuar uns anos, na altura as lutas em Direito, que não chegara a completar,foram com o MRPP, lembrava-se bem do Durão Barroso, maoísta  e desfraldado, caspa no cabelo,agora burguês e lacaio dos imperialistas que tanto combatera.

-As caras hão-de aparecer! - argumentou Liliana- no Maio de 68 o Cohn-Bendit também surgiu espontaneamente, durante os eventos, dei isso na faculdade. Não mexer uma palha é que é pior. Sabe quantos estágios já fiz à borla? Três, não estou interessada em fazer disso profissão,   assim não dá! Ou então é dar o salto, três amigas minhas já foram….

Duarte, mais politizado, observava:

-Os pseudo-comentadores falam todos contra nós, viram o Miguel Sousa Tavares na SIC? Parecia o Medina Carreira a falar. Falam, falam, mas preferem a segurança do sistema que está instalado, têm medo dos jovens, isto é uma novidade,é uma coisa que não percebem, e tem-se medo daquilo que não se conhece. É o tradicional quadro maniqueísta dos bons e dos maus, e quando não se identificam uns e outros nos nossos quadros de arrumação mental,rejeita-se, é mais seguro….

Ao bar do Diogo chegavam agora o Kiko e a Mónica, curso de Direito, part-time na Worten, o contrato acabara e não ia ser renovado. O wireless gratuito do bar ajudava a mandar mais currículos por mail, à cautela esconder as reais habilitações, senão o velho  e estafado bordão lá viria, isto não é para si, tem estudos a mais.

-Men, também vais sábado? Tenho estado a fazer forward da convocatória para o pessoal,só da Lusófona vão nove!- Duarte bebia agora uma imperial, o pai aceitava uma fresquinha, depois iria para casa, em Queluz a concluir uma peça para o jornal sobre a revisão do PDM de Sintra, a marcar passo.

-Conta comigo, puto, depois vamos às roulottes beber umas jolas! -a perspectiva de festa não estava posta de parte, Liliana juntar-se-ia depois à noite no Bairro.

-“Camaradas, pah”…-caricaturava o Kiko, imitando o Jel e o Falâncio-“a luta é alegria”. Oh Liliana, tu podias ir de ceifeira, assim uma espécie de Catarina Eufémia com piercing, minha!

-Vai-te catar, Kiko!És mesmo nerd!

-Rapazes, atenção às imagens. Protesto é uma coisa, mas pode ser uma armadilha, há por aí muita gente a dizer que vocês  não querem fazer nada, só querem que caia tudo de mão beijada, que são os deolindos…-Artur moderava os ânimos, ainda não dissecara bem a coisa, novato no Facebook.

-Sr. Artur, no seu tempo quanto é que teve de esperar para arranjar emprego? O meu velho diz que dantes só não trabalhava quem queria…-atalhou Liliana, meio revoltada.

-Sim, nesse aspecto está tudo muito diferente. Eu três meses depois de deixar os estudos já trabalhava no Diário de Notícias, e casei aos vinte e quatro!

-Está a ver…A sua geração fez a trampa e nós pagamos a factura, é o que é. Nada de pessoal consigo!

-Eu entendo…-Artur meio triste interiorizava os anos do PREC ,agora vestígio arqueológico, os companheiros enterrados em cirroses adiadas e cancros do cólon, novos vencidos da vida na era do telemóvel, fora tudo tão rápido da embriaguez à ressaca.

Pelas oito horas dispersaram, na televisão do fundo novos velhos do Restelo opinavam sobre a dívida, o desemprego, os  mesmos que criaram os problemas aventando soluções milagrosas, agora que estavam fora do poder. Já em casa, meio confuso ainda sobre a opinião a ter, Artur relia um poema amarelecido, do tempo em que os amanhãs  cantavam, da lúcida Sophia, sempre ela, pitonisa e bela:

Revolução isto é: descobrimento /Mundo recomeçado a partir da praia pura /Como poema a partir da página em branco / Catarsis emergir verdade exposta /Tempo terrestre a perguntar seu rosto.

-Duarte- chamou o filho, que na cozinha descongelava uma pizza no micro-ondas, enquanto frenético debitava SMS para os amigos:

-Diz pai!

-Sabes quem foi Jean Paul Sartre?

-Ya, era um cota muita fixe, desconcertante às vezes, falámos dele lá no curso.

Enigmático e antes de se isolar na sala a ouvir um vinil dos Doors, Artur Esteves largou uma frase sibilina do Velho Feiticeiro:

- “O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós”


publicado por Fernando Morais Gomes às 02:47

Gostei muito, bem relembrada a última frase!
Alexandra a 10 de Março de 2011 às 11:57

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