por F. Morais Gomes

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Mar 11

Estava a chegar, mesmo para os que não tinham jardim nem viviam nos campos, despertadas, as Criaturas da Mata anunciavam a sua presença, sinos do submundo tocavam arautos da cor e clorofila, despertando perfume nas flores, tonitruante, toda a nação dos pássaros tocava a rebate comandada por zelosas andorinhas voltadas do Grande Sul. Depois do Branco Inverno partir a dormir por várias luas na gruta- ventre, exércitos de borboletas invadiam libertinas os ares em  sagração poisando em pétalas redentoras bafejadas por confortáveis raios de sol. Poetas estremunhados saiam agora dos seus invernosos esconsos, bebendo Luz e respirando  alfazema e jasmim  esperando a  Grande Iniciação Multicolor.

Ostara chamava a reunir, gamos e colibris, crisântemos e girinos, libelinhas e até lagartos, todo o mundo do silêncio era convocado pelas forças da Criação, em noite de Equinócio.

No bosque da Cynthia Imortal, lá onde entre Oceano e terráqueas fortalezas homens ergueram templos à Floresta Mãe, reunia a Grande Assembleia de elfos e centauros, como sempre desde a noite dos tempos, a desenhar o anel de luz e em prece às chuvas, sémen da vida e seiva da renovação. No silêncio cúmplice da noite a sagrada chama crepitava no altar adorando Ostara, ao lado, a vigorante poção do druídico caldeirão saciava ressequidos lábios, bafejados por novo renascimento, toda a Floresta comparecia absorvendo o anel dourado na única vez do ano em que   dia e noite se faziam iguais. Os dias escuros iam-se agora, a terra  pronta a de novo ser plantada, a viagem para longe do mundo das trevas  pronta a recomeçar. No altar sagrado, grinaldas e ovos, grãos e raízes, o Coelho Pontífice guardava sentinela na noite, atento às entranhas de Cynthia, perturbada e perturbante. De mãos dadas,os convocados, exorcizados em adoração à deusa agora libertada da longa noite de  Inverno, entregavam-se ao ritual das fragrâncias viajando por ramos e folhas, orvalho vitamínico e puro.

Toda a Floresta desvairadamente absorta celebrava, um festim de castanhas,pinheiros,verduras folhosas e límpidos verdes tinha início, solene e etéreo.

Terráqueos da montanha colocavam flores no altar, em círculo e no chão, no caldeirão água pura e flores esperavam o momento da oferta, enquanto na clareira junto ao palácio mourisco, iluminado pela argêntea Lua, incensos e brancas velas se acendiam em acordo com os elementos. Rasteiros, vindos de Cynthia, à sombra-mãe de Ostara, terráqueos  ainda assustados tocavam as plantas em busca do milagre da vida, prometendo amizade e cumprindo o círculo, para, uma vez cumprido o ciclo partirem por algumas luas, ao encontro de Beltane primeiro,mais tarde Litha celebraria o apogeu de Ostara mas também o seu declínio, para os entes da floresta e desde a noite dos tempos sinal sabido da chegada próxima de Samhein e Yule, e com eles as trevas da gruta e o apagar das fogueiras, fugidas ao vento do Norte e à escuridão da tundra uivante.

Nas aldeias dos terráqueos as terras pediam sementes e as árvores folhagens, chilreios em beirados cumpriam promessas de fertilidade, logo partiriam sulcando céus e mares, noites e dias, até que rodado sobre si o grande astro de novo os trouxesse. Ostara, como sempre, protegia os prados e bosques de Cynthia, antes a fizera rude e pedregosa, agora apoteose do verde.

Toda a noite o fogo redentor aqueceu os terráqueos, bebendo do caldeirão, Pã do alto do carvalho chilreando uma flauta logo em melódico coro acompanhado por rouxinóis e toutinegras. Ao amanhecer, cristalina e espelhada nos frescos lagos a Primavera reinava enfim esplendorosa, com o seu ceptro de azevinho e assustadiços coelhos saltitando em seu torno. Os dias antes avaros do longo Inverno, logo cresceriam, generosos, frutos e plantas brotariam suculentos e em abundância, cardumes cruzariam os rios e serpenteantes patos se banhariam nos riachos perseguindo irrequietas rãs.

No ano seguinte e em todos os seguintes assim seria até ao fim dos tempos ou até que Odin na Valhalha  juntasse finalmente os guerreiros no  esperado advento do Ragnarok, Cynthia veria choros, risos, lutos, borrascas, milagres, sagrado e eterno templo dos deuses da floresta, e sempre no assinalado tempo em que o dia seria igual à noite Ostara regressaria, fugaz e pitonisa, a espalhar a  redentora Luz.

 


publicado por Fernando Morais Gomes às 08:57

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