Majestade
Passaram já muitos anos que vos fostes deste mundo, mas não feneceu ainda nestes montes de Sintra a repercussão do vosso nome, pelo bem que fizestes a estas terras e suas desvairadas gentes.
Não faltasse a criação da Academia das Belas Artes de Lisboa, a salvação da ruína do mosteiro da Batalha e do Templo de Diana, o restauro dos Jerónimos ou a descoberta da custódia de Belém, feitos pelos quais o Reino muito vos deve ( e que levou o insigne poeta Castilho a baptizar-vos como Rei Artista, igualmente em louvor da vossa magistral voz de barítono), faltava o toque de Midas que se traduziu na celebração da Arte com a construção dos vossos aposentos e jardins na Penha, santuário de amor a esta Pátria que um dia fizestes vossa e amastes como seu filho agradecido, por amor a ela tendo renunciado aos tronos de Espanha e Grécia que vos foram oferecidos.
Sabemos, Majestade, que com a vossa amada condessa Elise descansais etéreos nos jardins da Pena, ouvindo as cigarras matinais e tratando as buganvílias e camélias que bordejam o pequeno Chalet agora restaurado para vos receber e apaziguar o descanso da alma. Estivemos na reabertura e bem vos vimos e à condessa, sorridentes atrás duma àrvore, e como emocionados ficastes quando novas flores foram plantadas, voavam silfos em vosso torno e a condessa Elise, embevecida, acariciava-vos a mão. Muitos dos que cá estamos também celebrámos, não pela festa dos políticos presentes para o daguérreotipo ou o croquete, mas porque guardado o Éden, aconchegadas ficam nossas almas e consciências na hora que passa.
Como sabeis é com pesar e angústia que verificamos que os Pares deste Reino se digladiam em lutas estéreis em torno dos negócios da Fazenda, pouco acarinhando o precioso legado por vós erguido, minado ainda por novas espécies invasoras, não a filoxera ou o oidium, mas sim os automóveis, essas máquinas horrorosas. Alguns entre os vossos súbditos serão merecedores do título de guardiães do legado, (e há-os, felizmente) outros, analfabetos do Saber apenas se batem por sinecuras e benesses que a fama de administrar o mesmo lhes proporciona.
Aproveitava para vos pedir que intercedêsseis junto das autoridades, que não vos deixarão de ouvir, no sentido de acautelar o futuro desse legado, e hoje, em particular, da Quinta do Relógio, nas encostas da estrada da Pena, vossa vizinha, cujo futuro as populações vem preocupando, a fim de que se lhe dê um destino digno e ao serviço da grei e do reino. E claro, que o novo ministro da Fazenda não seja avaro em apoios, se bem que a Prússia e as potências da Entente se esforcem por o pressionar.
Esperando que vos encontreis de saúde, bem como a Sra Condessa d'Edla, vossa prestimosa esposa, subscrevo-me com reverência e consideração.
F.,um vosso criado