Sintra, Ano do Senhor de 1414.El Rei D.João voltava de mais uma caçada, três lebres e uma corça, nada mau para um dia chuvoso. Agradavam-lhe as estadas em Sintra, onde anualmente caçava e jogava canas desde que se apossara das propriedades de Henrique Manoel de Vilhena, que tomara o partido de Castela durante os eventos de quase trinta anos antes.
O encontro que Pêro Anes de Sintra, regressado de viagem secreta, lhe solicitara em termos algo misteriosos havia-lhe suscitado curiosidade. Pêro Anes era um místico e profundamente religioso, mas acima de tudo devotado a D. João.
-Estimado D.Pêro, que novas trazeis das costas de Algeciras?
-Eu sei, Senhor, que em cuidados vos encontrais sobre as terras dos moiros. Mas não é de Gibraltar, Algeciras ou da montanha de Djabal Musa, ou sarracenos mercadejando que é meu mister aqui falar. Outro é meu intento e , se me permitis a ousadia!
-Explicai-vos D. Pêro. Não fostes espreitar a cova do infiel em terras de Septa, como vos instruí? -ripostou o de Boa Memória, já aborrecido por ser tirado às suas lebres a fim de ouvir temerosos vassalos.
-Assim fiz, e em verdade vos digo: perigosa e inútil será a empresa, pois nem especiarias nem ouro, cereais ou fazendas para o erário do reino e de Vossa Majestade, meu rei e senhor podem as naus de Portugal porfiar nessas bandas. Antes ousava sugerir uma aliança com vosso genro, o conde da Flandres, a fim de que os laços de comércio entre ambas as casas possam prosperar, e desse trato possam os proventos do reino aumentar e com eles a vossa fazenda.
-Mercadejar é impróprio dum rei, D.Pêro!- soltou o infante D.Henrique, presente na sala, até então em silêncio. A honra dum infante só pode ser resgatada quando lavada no sangue dos infiéis. Honra, conquista e glória, esse o dever de quem reina, e não curar de arcas de peixe salgado ou pipas de vinho, coisa de almoxarife e não de um príncipe da cristandade!
-Que vos parece, Senhora? -apurou o velho rei, olhando para a já doente rainha D.Filipa.
-Henrique tem razão.Prudente será evitar cuidados e maleitas, mas mais acertado e próprio dum monarca é a expansão da Fé e dos Santos Evangelhos- aconselhou a alva senhora, empalidecida e de voz sumida.
D.João postou-se breves momentos em silêncio. Por fim, despachou o avisado fidalgo, e chamou o prior do Hospital, D.Álvaro Gonçalves Camelo a quem incumbiu de uma missão secreta.
Meses mais tarde, voltando D.Álvaro a Sintra, depois de com favas e areia ter reproduzido a fortaleza dessa misteriosa Ceuta, o Reino se lançou num novo e perigoso destino.
A 22 de Agosto de 1415, e com poucas horas de combate, o vencedor do Andeiro, de Castela, e dos filhos de Inês de Castro, virava-se em definitivo para o Mar Oceano, para apenas cinco séculos depois voltar ao ponto de partida. Nunca a Europa e Portugal se olharam como semelhantes, mas como diferentes e distantes.Se a geografia nos havia colocado junto ao mar apenas um desígnio se impunha aceitar: sulcá-lo.Para sul.