Pedro Alcobia era um filho de Sintra, pároco de Colares em 2013 e bispo em 2017, em 2021 ascendeu a cardeal-patriarca de Lisboa, com página no Facebook e homilias no You Tube, a Igreja ao clique de um rato. Controverso, defendia que Deus é mãe e não pai, convicto de não se dever combater os cataclismos, a vontade divina poder nenhum deveria deter. Crente nas alterações climáticas como sinal do fim dos tempos, intransigente com o celibato e o preservativo, publicou mesmo um livro contra o antigo Papa Ratzinger, que apesar de doutrinador rigoroso, havia cedido ao agnosticismo.
Estava pois à medida do Vaticano. Avesso aos políticos portugueses, as suas homilias na Sé eram gongórico pedaço de retórica, elogiadas no Osservatore Romano e em Lisboa atacadas pelo Partido Radical, que reunia antigos comunistas e bloquistas, fundidos em 2016, sob a liderança de Ana Drago.Foi assim que depois da morte de João XXIV, o ruandês Joseph Kizomba, vitimado pelo HIV, o seu nome começou a circular nos corredores da Cúria como papabile, o cardeal Pescatore, de Milão, apostava mesmo nele em SMS e mails mandados aos membros do Colégio Cardinalício, que lhe respondiam com enigmáticos smileys.
Passadas as exéquias por Kizomba, começaram reuniões conspiratórias, os chineses queriam um Papa asiático mas os americanos apostavam em John Scottdale, cardeal do Texas e director do Banco do Vaticano. Com ele o rating da Santa Sé subira e Deus ajudava, abençoando as acções do Nasdaq, principal receita da Cúria. Mas europeus e latinos preferiam o português, paladino dos princípios e punidor dos desvios.
No dia da abertura do conclave, o cardeal Alcobia levantou-se às sete, orou e leu os mails, antigos paroquianos de Colares enviavam twits para que o seu pastor se sentasse na cadeira de Pedro. De seguida, juntou-se aos eleitores na missa Pro Eligendo Papa, em S. Pedro, para em procissão, se dirigirem à Capela Sistina e dar início à eleição, o Espírito Santo iluminaria os cardeais.Interiormente, Alcobia ambicionava o lugar, místico, queria devolver Deus a um mundo profano, assolado pelo hedonismo e secularizado. Adepto da selecção natural, para si, o deus da paz também o seria da guerra aos inimigos da Igreja, descrentes que conduziam o mundo a partir de Pequim, a potência mundial desde que a União Europeia acabara em 2015. Já na Capela Sistina, olhou Deus criando o mundo no azul celeste do fresco de Miguel Ângelo, e viu-se a si no topo, o anel do Pescador no dedo, a Nova Cruzada em embrião. Todos sentados, o camerlengo proferiu o ritual extra omnes, momento para os estranhos abandonarem a Capela Sistina. Vítor Godinho, o secretário do cardeal, aguardaria no gabinete, Alcobia dera instruções.
Depois dos rituais, votaram os cardeais mais idosos e depois os demais. O primeiro escrutínio deu 45 votos para o cardeal de Xangai, 35 para o de Lisboa, 7 para o de Palermo. O chinês sorriu, simulando surpresa com o resultado, o lobby asiático funcionava. Como não foi concludente, os votos foram queimados, foi negro o primeiro fumo na Capela Sistina. Nas três votações seguintes, o mesmo se repetiu, e o primeiro dia terminou sem que Roma conhecesse um novo Papa. Nesse período, entretanto, misteriosas mensagens surgiram nos aposentos dos eleitores, referindo “ É Pedro o herdeiro de Pedro, Peregrino da Cruzada”.
Ao quarto dia, em silêncio, repetiam-se os procedimentos sem fumo branco. Já havendo conversado entre si sob pseudónimo no Facebook, os cardeais decidiam finalmente. Lidos e contados os votos, Pedro Mendes Alcobia, antigo pároco de Colares e Cardeal-Patriarca de Lisboa, recolhia os dois terços necessários, o Espírito Santo finalmente iluminara o coração dos eleitores. Alcobia, de olhos cerrados, rezava, perante o facies amarelecido do cardeal chinês. O Cardeal Diácono foi até ele e perguntou-lhe, solene:
-Reverendo Cardeal, aceitas a tua eleição canónica como Sumo Pontífice?
-Aceito, em nome do Senhor - respondeu, simulando indecisão e sacrifício.
-Como queres que te chamemos?
-Pedro. Pedro II -anunciou, sem hesitações.
A escolha do nome provocou um arrepio na sala, seguido do silencioso acto de obediência, com os cardeais prostrando-se e osculando-lhe o pé direito. Fumo branco saíu finalmente da chaminé, para gáudio dos fiéis em S. Pedro. Meia hora depois, o filho de um desenhador da Câmara de Sintra e de uma operadora de call center tornava-se o 268º Chefe da Igreja Católica e Vigário de Cristo na Terra. Em S. Pedro, apinhado de gente, urbi et orbi, o cardeal de Varsóvia proclamou o novo Papa:
-Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus Papam! Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum Petrus, Sanctæ Romanæ Ecclesiæ Cardinalem qui sibi nomen imposuit Petrus Secundo.
Pedro Alcobia olhou a multidão e abençoou-a, solene. Uma trovoada, súbita e molhada, tombou tonitruante nos céus de Roma. Em Colares, onde a população eufórica se juntara frente a um ecrã gigante na Adega Regional, Virgílio Penaguião, blogger de temas esotéricos, interrompendo um post sobre o abate dos plátanos e aumentando o volume da televisão, correu a buscar um livro na estante. Uma antiga profecia atribuída a S.Malaquias, bispo irlandês do século XII, falava de Petrus Romanus, o último dos Papas, que iria "alimentar suas ovelhas em muitas tribulações" e no "dia da perseguição final ".
Enquanto em Roma debaixo de borrasca diluviana Pedro Alcobia era aclamado pela multidão, os telejornais abriam emissões especiais noticiando o lançamento de mísseis balísticos a partir de Pyongyang, um destruíra já o USS Obama, porta-aviões americano estacionado no Índico. Os dias do fim iam começar.