por F. Morais Gomes

05
Fev 12
"Um Glenffidich, com gelo, em fundo, a dança dos espíritos abençoados, do Orfeu e Eurídice. É domingo, e cada vez mais Inverno.Para quê sol nos corpos quando gelam as almas? Odeio os domingos. Dantes a família almoçava, depois da missa, enfiada nos fatos domingueiros. Já não há famílias, nem missa. Que saudades do passeio de barco ao Ginjal, no fatinho à marujo, a comer enguias e a visitar a avó, que esperava com o bolo de noz e scones com geleia. Nunca mais comi bolo como esse. Também têm passado, os sabores, Rogério, e muitos deles sem futuro. E o rádio, com o relato da bola, gritando cada canto como antecedendo um enfarte.
É, o passado está todo aí, na prateleira, como tu, em porcelana. Nos álbuns, arquivos mortos de vidas passadas. Cansei do Gluck, põe o Strauss, Rogério, a valsa do esquiador, seja, encerra juventude e nostalgia, só por isso, outro Glenfiddich, raios partam o Famous Grouse. Engraçado. Nunca estive nesse passado, com valsas e palácios, mas também ele é passado do meu passado. Cliché. Bonito. É sempre bonito falar do passado, por nostalgia ou arrependimento. Tem uma vantagem: ao menos tem-se passado. E apaga a televisão, chega de electrodomésticos, por hoje!
Não mexe uma palha lá fora, sabes, mas dentro, corre um vento intranquilo. Que presente recordaremos daqui a vinte anos como bom passado? Os copos que se beberam? A infância dos filhos, ingénuos e puros, azul ou rosa como os fatos que lhes enfiámos à nascença? Queria ouvir o Morrison, mas estou intemporal, apetece-me música de salão, hoje. Põe a Annen, Rogério, sim, a polka 117 de Strauss, grande música para um slideshow de vida, feliz e realizada. Para os infelizes, antes Philip Glass ou Bartok, eu quero evadir-me, quero Glenffidich, aumenta o som, diz à vizinha que enlouqueci e que o som é a conselho médico!
Engraçado, Rogério, sinto-me um pássaro em melodia de Dvorák, ainda bem que o domingo acabou. Naquele tempo não importavam os domingos, todos os dias eram de Vida, sem separar por semanas, décadas, gerações.Amanhã será segunda. Monday. Dia da Lua. Na Serra da Lua, curioso. Olha, esconde a garrafa de Glenffidich e diz ao mundo- ou pelo menos ao caseiro- que Arnaldo da Nóbrega desistiu de viver. Só ouvia vinis e num mundo onde já não  vendem pontas de diamante, riscou-se de membro. Que partiu, ao som de Annen, levando os livros, os sonhos, o perfume de Sofia,os passeios ao Ginjal e o bolo de noz da avó. Auf Wierdersehn! É forte, o adeus em alemão, seguro e sem lamechas. Rogerio! Maldito boneco de porcelana, não fosse a tia Zita e já te tinha esfrangalhado, degenerado!"
publicado por Fernando Morais Gomes às 11:38

De:
Anónimo

Data:
5 de Março de 2013 às 21:10


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